Repensando a universidade e a pós-graduação

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Diversidade

Com a atual crise nas Universidades é essencial repensarmos a pós-graduação. O corte de verbas é uma consequência do estado falido, isto todos sabemos. Mas qual o motivo de não serem poupados, ou pelo menos sofrerem menos algumas áreas? Certamente a Saúde e a Segurança estão na boca do povo como demandas sérias e principais. Por que não a Educação? Recentemente li um livro, estava em minha lista de leituras há muito tempo, sobre o Design Thinking. A ideia essencial apresentada neste livro é utilizar a forma de pensar de designers industriais para a modelagem de soluções criativas. O livro prega a análise multidimensional dos problemas com a inclusão de pessoas com múltiplas formações. Esta fase inicial precisa ser muito menos estruturada e contar com a participação livre de ideias, de criação de cenários (storytelling) e contato real com os usuários. Ou seja, descobrir no mundo real as necessidades a serem enfrentadas para soluções revolucionárias. Na Academia tudo isto me fez lembrar um dito bem impactante:

“As Universidades e os cemitérios são refratários às mudanças, os que ali estão não querem se mover”.

Será que não precisamos repensar o nosso comportamento? Devemos sair da Torre de Marfim e desenvolver atividades ligadas aos problemas reais? Isto não implica em perda de qualidade, apenas em tratar problemas de interesse da sociedade e não de problemas de interesse de pesquisadores e intelectuais. Afinal é a Sociedade que nos financia (ou deveria). Talvez o descolamento da Universidade e da Pesquisa com as reais necessidades das comunidades seja o motivo principal da crise global de financiamento. Se a Sociedade não tiver esta compreensão não haverá demanda social por recursos para a Pesquisa e para a Educação, e este é o motivador dos políticos. Por que irão se empenhar em alocar recursos escassos para uma área que os únicos defensores são os diretamente implicados? Ai é gerada a impressão de que defendemos interesses corporativos, a Sociedade não vê este setor como o setor essencial para o desenvolvimento e a superação da crise. Precisamos agir.

Um assunto que precisa ser discutido é a diversidade cultural e de perfis de trabalho na pós-graduação. Atualmente está aceito que a diversidade nos grupos sociais e acadêmicos é um dos melhores fatores para aumentar a eficiência e a criatividade. Culturas, gêneros e opiniões diferentes favorecem o convívio e abrem novas possibilidades para o tratamento dos temas de trabalho. Pergunto: “Por que isto não acontece nas pós-graduações?”. O consenso é que só devem participar dos programas professores-pesquisadores com um número alto de publicações em journals com alto fator de impacto. Mas um grupo criativo é algo bem diferente. Vejamos a sinopse do Livro Criatividade e Grupos Criativos de Domenico De Masi:

A maior parte das criações humanas é obra não de gênios individuais, mas de grupos e de coletividades nos quais cooperam personalidades concretas e personalidades fantasiosas, motivadas por um líder carismático, por uma meta compartilhada. Hoje, mais do que nunca, todas as descobertas científicas e as obras-primas artísticas não decorrem do lampejo de gênio de um único autor, mas do aporte coletivo e tenaz de trabalhadores, troupes, teams, squadre, equipes. Não são mais do que etapas de um processo sem pontos de partida nem pontos de chegada, em que forças contraditórias como linhas retas e linhas curvas, razão e intuição incessantemente se alternam e entrelaçam. Talvez na sociedade pós-industrial esses dois opostos possam finalmente chegar a uma síntese feliz. Para isso, De Masi apela às neurociências, à psicanálise, à psicologia, à epistemologia e sobretudo à sociologia – compreendendo as dinâmicas secretas do processo criativo, quem sabe não se possa aumentá-lo e colocá-lo em sintonia com a eterna aspiração humana pela felicidade.

Está na hora de repensarmos nossos critérios excludentes. Os coordenadores de programas de pós-graduação expurgam ótimos professores (que poderiam ministrar ótimas aulas) para aumentar os índices CAPES. Isto é uma exclusão. Aqueles que são dotados para a implementação também são excluídos, sobram apenas os publicadores. Com este comportamento perdemos muitas pessoas que seriam importantes para a formação de nossos alunos e para o desenvolvimento dos projetos. Isto sem contar com a criatividade oriunda da diversidade de perfis. O ponto central não é a qualidade e criatividade do grupo, mas sua adequação à bibliometria avaliativa. Se quisermos qualidade real será preciso uma profunda mudança em nossos critérios.

Lendo a Communications of the ACM de outubro de 2016 encontrei um artigo magnífico: Addind Art to STEM. Neste artigo um dos bloggers da CACM trata da forte interação e resultados obtidos com a combinação da Música com a Computação. Tenho tratado eventualmente deste tema em posts e em um artigo para o Encontro sobre os Grandes Desafios 2006-2016 da SBC. Cada vez mais estou convencido que precisamos refundar o nosso modelo corporativista de considerar que as areas de conhecimento são herméticas e só os que aderem a esta visão podem ser os eleitos. Leiam este trecho do artigo citado:

“Specialization is necessary to garner expertise, but striving and working to become a skilled multidisciplinary generalist creates a whole person that can create, cope, build, refine, test, and use in practice. Plus, they can explain difficult concepts to novices, and carry the magic of combining art and technology to others. In other words, they are good teachers, too. That has been my goal in life, and I think I am succeeding (so far)”.

Author: ACM Fellow Perry R. Cook is Professor (Emeritus) of Computer Science, with a joint appointment in Music, at Princeton University. He also serves as Research Coordinator and IP Strategist for SMule, and is co-founder and executive vice president of Kadenze, an online arts/technology education startup.

Tudo o exposto acima justifica a necessidade de aplicarmos o Desing Thinking, onde a diversidade de percepções é essencial, para encontrarmos problemas reais sobre os quais possamos desenvolver ensino e pesquisa de real qualidade de pesquisa e com ampla visibilidade. A qualidade da pesquisa implica em trabalho tecnológico competente apoiado por uma sólida base conceitual e formal. Trabalhar com definições claras de problemas permite, por um lado, termos boas publicações indexadas e, por outro lado, mostrar para a Sociedade que somos de valor para o desenvolvimento. É preciso mudar a mentalidade que um diploma de  curso superior (graduação, especialização etc.) serve para  apenas promoção em alguma carreira pública e não para apoiar uma carreira promissora pessoalmente e de real interesse para a Sociedade.