Para que Diploma?

Atualizado há 7 anos


DiplomaEsta crônica surgiu como reação a um artigo publicado no Jornal Zero Hora, de Porto Alegre com o título: Diploma só de parede. Outro fato motivador foi uma discussão em uma lista do Google sobre EAD onde me pareceu que estava sendo dado valor demasiado a diplomas de pós-graduação a distância quando penso que o centro da discussão deva ser a qualidade e o objetivo do curso e não a revalidação do diploma. Com o artigo do jornal fiquei preocupado pensando que era mais um tipo de fraude, agora de compra de diplomas. Nada disso, o problema são as pessoas que, concluindo uma Universidade, não exercem a profissão. A tabela a seguir, incluída no artigo, mostra a percentagem de pessoas que continuam trabalhando na sua área de formação universitária. Estes dados foram originados no artigo Correspondência entre Formação e Profissão, Documento de Trabalho nº. 50, por Edson Nunes, Enrico Martignoni, Leandro Molhano, Márcia Carvalho do Observatório Universitário. Para que deseja estudar em profundidade os dados, inclusive com análise de remuneração, aconselho a leitura, é volumoso!

Os profissional que atuam na mesma área da formação em algumas carreiras:

Enfermagem         84%     Medicina 75%
Odontologia 71%     Farmácia 68%
Arquitetura 63%     Medicina Veterinária 62%
Pedagogia 56%     Biblioteconomia 55%
Direito 51%     Administração 46%
Educação Física 46%     Psicologia 45%
Geologia 42%     Ciência Contábeis 39%
Engenharia 33%     Comunicação Social 27%
Química 19%     Estatística 17%
Biologia  9%      Ciências Econômicas 9%

Considerando este afastamento das atividades profissionais em relação aos títulos universitários recebidos verifica-se que algo está errado, muito errado. Quem vai passar quatro anos ou mais em uma Universidade e depois desistir da sua profissão? Uma forma de interpretar este fato é classificá-lo de desemprego ou subemprego intelectual. Neste caso o diploma serve, na melhor das hipóteses, como realização pessoal, é realmente um diploma de parede. A pessoa sente-se melhor ao ter um título de “doutor” belamente emoldurado na parede de sua casa. Lembro-me, ainda, de alguns escritórios de advocacia com belos diplomas em pergaminho, redigidos manualmente com tinta Nanquin, e com um selo da Universidade aplicado em lacre, expostos para os clientes. Na época esta apresentação era importante, uma forma de segurança para os clientes, a OAB ainda não tinha um site Web onde é possível conferir se a pessoa era realmente um advogado registrado. Aliás, hoje o diploma só asseguraria que o portador é um bacharel em Direito, precisaríamos ter, ainda, o registro da Ordem ao lado. Esta visão é realmente ultrapassada de diploma na parede, ainda é um resquício da época em que havia uma enorme estratificação social e apenas os “ricos” podiam ir para a Universidade. Criou-se, então, a imagem de que o diploma era sinônimo de posição social e de uma certa segurança econômica. Era exatamente o contrário, só que tinha estas pré-condiçoes conseguia um diploma universitário. Claro que sempre existiram belas e honrosas exceções.

Vamos tentar enfrentar o problema central, o que mudou com o tempo? Acho que a ideia de Universidade Humboldtiana, isto é aquela Universidade onde o objetivo da formação é o conhecimento e que associa, necessariamente, a pesquisa ao ensino foi, por um lado, mal aplicada e por outro não é necessária para a grande massa de profissionais. Se, para tornar o Brasil um país realmente competitivo, precisamos de Universidades deste tipo, por outro lado precisamos de formação vocacional. Consideremos primeiro a Universidade Humboldtiana, sem uma ação poderosa e de longa duração não formaremos mais competências internacionais. A pergunta para demonstrar isto é: “Quantos prêmios Nobel tem o Brasil?”, acho que não preciso responder. Por outro lado, quando a Alemanha adotou nos 18`s este modelo de Universidade obteve logo após no início do século XX, uma das maiores concentrações de Prêmios Nobel. Precisamos de centros de excelência dentro deste modelo para suportar um desenvolvimento e uma criação de tecnologias mundialmente competitivas. Não faz sentido massificar estes centros para dar diplomas de parede.

No outro lado, na formação vocacional, para as pessoas interessadas em um ingresso rápido no mercado de trabalho existem múltiplos níveis de estudo. Desde 1970 estes níveis são definidos pela UNESCO e a classificação foi revisada em 1997 em International Standard Classification of EducationI S C E D 1997. Para nós o nível que interessa é o relacionado com a Educação Superior (Educação terciária, ISCED 5-6)

Programas Educacionais em Nível Universitário (Terciário tipo A, ISCED 5A) são fortemente baseados em teoria e planejados para oferecer qualificação suficiente para a entrada em programas avançados de pesquisa e em profissões com altos requisitos de competências como medicina, odontologia ou arquitetura. Programas terciários do tipo A têm uma duração mínima de três anos em tempo integral apesar de durarem, tipicamente, quatro ou mais anos. Estes programas não são oferecidos exclusivamente por universidades. Inversamente nem todos os programas reconhecidos nacionalmente como programas universitários preenchem os critérios para serem classificados como terciários do tipo A.

Programas Educacionais Vocacionais Avançados (Terciários tipo B, ISCDE 5B) Estes programas são tipicamente mais curtos que os terciários do tipo A e focados em competências práticas, técnicas ou ocupacionais para a entrada direta no mercado de trabalho apesar de que algumas fundamentações teóricas possam ser cobertas pelos respectivos programas. Estes programas têm uma duração mínima de dois anos com dedicação exclusiva.

Qualificação Avançada de Pesquisa (ISCDE 6) Este nível corresponde aos programas que levam diretamente para um título de qualificação em pesquisa avançada como Ph.D. A duração destes cursos é de três anos em dedicação exclusiva na maioria dos países atingindo um total de sete anos de dedicação exclusiva no nível terciário apesar de o tempo de matrícula ser tipicamente mais longo. Estes programas são dedicados para estudo avançado e pesquisa original..

Programas Educacionais Pós-secundários não Terciários (ISCDE 4) Estes programas se sobrepõem à fronteira entre o secundário superior e a educação pós-secundária na definição internacional. Os mesmos podem ser classificados como secundário superior ou pós-secundário em diferentes países. Apesar do seu conteúdo não ser significativamente mais avançado do que os programas secundários superiores eles servem para ampliar o conhecimento adquirido pelos participantes no secundário superior. Os estudantes matriculados tendem a ser mais velhos do que os matriculados no nível secundário superior.

Olhando este quadro dá para perceber que estamos muito a descoberto na área Vocacional. Aqui encontro a resposta para a pergunta: “O que mudou com o tempo?”. O que mudou foi uma enorme modificação da estrutura social e da economia. Agora são necessários profissionais de todos os níveis, e o melhor: a boa remuneração não é mais reservada para aqueles diplomas tradicionais, mas, muitas vezes, é maior no caso de profissionais técnicos muito bem qualificados. Ai se encontra a origem da proliferação de “engenheiros certificados no produto xxx“, notem que esta é uma tradução errada do inglês “certified engineer”, tomemos o WordNet:

WordNet (r) 1.7

engineer n 1: a person who uses scientific knowledge to solve practical problems [syn: applied scientist, technologist] 
 2: the operator of a railway locomotive [syn: locomotive engineer, railroad engineer, engine driver] 
 v 1: design as an engineer; "He engineered the water supply project" 
 2: plan and direct (a complex undertaking); "he masterminded the robbery" [syn: mastermind, direct, organize, 
 organise, orchestrate]

Neste caso particular a interpretação certa seria a 2: o operador do produto xxx. Nossa cultura de bacharéis nos impede de aceitar esta definição e adotamos a de número 1. Quem já viu o conteúdo de um destes cursos entende claramente que o conceito 2 é o mais adequado. Eu tentei seguir um destes cursos, há anos, e logo desisti pois tudo o que eu queria saber o instrutor não sabia responder e tudo o que ele ensinava era a operação do produto. É claro, eu queria uma formação do tipo 1: para saber como o Sistema Operacional funcionava, que tipos de interrupção, o problema da preempção etc. e o Instrutor queria dar uma formação do tipo 2: que comando usar para fazer algo. Antes que me atirassem fora da sala pela janela desisti…

Aqui está a resposta, não vamos procurar um Diploma do tipo SCED 5A ou ISCDE 6 orientados para a pesquisa e para o desenvolvimento tecnológico avançado se o que desejamos são cursos vocacionais do tipo Terciários tipo B, ISCDE 5B ou mesmo mais avançados como ISCDE 4. Está na hora de rever seus conceitos, como naquela propaganda da TV, ainda mais se o pagamento pode ser muito melhor para os egressos de cursos vocacionais. É melhor um diploma na parede ou um bom e bem remunerado trabalho? Segundo dados da Agência Brasil com base Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep/MEC), o número de matrículas no ensino técnico representa 8% do total de estudantes matriculados no ensino médio. Isto precisa ser mudado, e logo.

  • O mercado precisa de formações vocacionais e o Brasil precisa de Universidades de Pesquisa, os dois modelos são essenciais para um desenvolvimento nacional equilibrado e competitivo.

(Acessos 861)