O sistema atual de publicação científica enfrenta sérios problemas éticos e estruturais, sendo um deles a prática de algumas editoras de solicitar aos autores que indiquem revisores para seus próprios manuscritos. Essa situação equivale, em termos éticos, a um tribunal pedir ao acusado que escolha os juízes que julgarão seu caso. A imparcialidade, essencial para a credibilidade do processo, é colocada em xeque, uma vez que o autor pode sugerir revisores com viés favorável ou mesmo conhecidos que estejam dispostos a oferecer pareceres positivos. Essa prática compromete a integridade do sistema de revisão por pares, que deveria ser pautado pela avaliação objetiva e independente.
Além disso, a expansão do mercado de publicações científicas trouxe desafios significativos, como a dificuldade crescente para encontrar revisores qualificados. O trabalho de revisão demanda tempo, atenção e alta especialização, mas, paradoxalmente, não é remunerado, o que desestimula profissionais competentes a assumirem essa função. Essa realidade leva à terceirização de responsabilidades: ao invés de manterem bancos próprios de revisores especializados organizados por área de conhecimento, muitas revistas delegam essa tarefa aos próprios autores. O resultado é um sistema vulnerável, que abre margem para fraudes, como o surgimento de revisores fantasmas, ou para a participação de avaliadores não qualificados, devido à alta demanda.
Outro aspecto preocupante é a desconsideração de grande número de citações de teses e dissertações disponíveis em repositórios institucionais amplamente acessíveis, como o LUME da UFRGS, nos critérios de avaliação acadêmica. Apesar de frequentemente apresentarem relevância e impacto, essas produções são ignoradas em prol de publicações em grandes editoras, cujas taxas de submissão são muitas vezes exorbitantes. Essa prática reforça a hegemonia de um modelo comercial, em detrimento da valorização da ciência aberta e inclusiva, criando barreiras financeiras para pesquisadores de instituições menos favorecidas e países em desenvolvimento.
O problema das publicações científicas reflete tensões profundas entre os interesses mercadológicos das editoras e o propósito central da ciência, sendo o avanço e a disseminação do conhecimento. Atualmente, editoras comerciais desempenham um papel central no controle da distribuição científica, apropriando-se dos direitos autorais de artigos produzidos por pesquisadores financiados, na maioria, por recursos públicos ou institucionais. Essa prática cria um sistema no qual os pesquisadores cedem seus direitos gratuitamente, enquanto as editoras obtêm lucros elevados com assinaturas e vendas de artigos. Uma alternativa ética seria a adoção de um modelo “fair”, que inclui a remuneração justa dos autores e revisores. Assim, como na indústria musical, uma parte dos lucros gerados pela comercialização de artigos deveria ser revertida aos autores.
O processo de revisão por pares, essencial para garantir a qualidade das publicações, também enfrenta sérias dificuldades. Revisores, que desempenham um papel crucial, muitas vezes trabalham sem qualquer tipo de remuneração, mesmo que seu esforço beneficie diretamente as editoras. Uma proposta para lidar com essa questão seria a criação de bancos de revisores geridos pelas próprias revistas ou por consórcios acadêmicos, garantindo a profissionalização e a remuneração adequada desse trabalho. Isso contribuiria para a qualidade e a justiça do sistema, tornando-o mais ético.
Outro ponto crítico está nas taxas elevadas cobradas para publicação em revistas, especialmente nas de acesso aberto, que podem ser proibitivas para pesquisadores de instituições menos financiadas ou de países com menor poder aquisitivo. É fundamental implementar medidas que regulem essas taxas e ofereçam subsídios para garantir a inclusão de pesquisadores de diversas regiões e contextos econômicos. Modelos cooperativos, nos quais universidades e agências de fomento compartilhem os custos, também poderiam reduzir a dependência das editoras comerciais.
Se essas questões estruturais não forem enfrentadas, o sistema continuará a privilegiar a lógica mercantilista, restringindo o acesso ao conhecimento e dificultando a colaboração internacional. A desigualdade no acesso às informações científicas impede avanços em áreas emergentes e interdisciplinares, comprometendo a inovação e o progresso global.
Portanto, é urgente revisar o sistema de publicações científicas. Essa reforma deve envolver a colaboração entre governos, universidades, agências de fomento e editoras para criar um modelo mais ético e sustentável. A implementação de plataformas públicas de acesso aberto, a remuneração justa de autores e revisores e a regulação das práticas das editoras são medidas essenciais. Um sistema mais inclusivo e equilibrado não é apenas uma questão de justiça, mas uma necessidade para assegurar o avanço do conhecimento científico e seu impacto positivo na sociedade.