Crise no ensino da computação
Para começar uma pequena história. Quando me formei, em Engenharia Elétrica, alguns colegas passaram em um concorridíssimo concurso de seleção para um curso de programação oferecido pela IBM. Dois deles, contratados após os meses de curso foram os exemplos para a turma. Se me lembro bem o curso consistia, essencialmente, de programação assembly, uma linguagem de programação e conhecimentos de sistemas de arquivos. Eles eram considerados os “sortudos” da turma pois ganhavam muito mais que um engenheiro em início de carreira, e o status! Sempre estavam com impecáveis fatiotas e engravatados. Pois é, o tempo passou, a sociedade mudou e hoje programadores indianos ou chineses trabalham via Internet por algumas dezenas de dólares por mês subvertendo o mercado mundial de trabalho. E ainda há gente que vive apregoando que devemos seguir estes modelos: “Olhem a India, que exemplo!”. O Brasil está melhor, as grandes companhias internacionais estão colocando laboratórios de desenvolvimento aqui, pois nossos mestres e doutores ganham muito menos do que pessoal da mesma competência nos paises centrais.
Neste período os computadores passaram de máquinas quase inacessíveis, só os iniciados podiam entrar nas salas de sistema, e caríssimas para commodities compradas em qualquer supermercado. Eu acreditava que quando uma nova geração, criada com acesso aos computadores desde a infância, chegasse à universidade teríamos ótimos e motivadíssimos alunos. O que ocorreu? O inesperado: a familiaridade com computadores tirou o glamour da profissão e a crise do mercado não estimula uma perspectiva de carreira vitorio$a. Algumas perguntas que tenho ouvido: O que vou fazer que já não esteja disponível? Que empresas brasileiras são competidoras mundiais? E aí, vou trabalhar fazendo programas para o boteco da esquina? No outro extremo da carreira está ocorrendo uma “caça aos doutores”, ao inverso, pois muitas Universidades e Centros Universitários estão despedindo o pessoal com maior titulação para contratar “mão de obra” mais barata. Isto não é uma decisão míope mas sim uma decisão forçada por um público que não consegue pagar cursos de melhor qualidade, é reduzir custos ou fechar. É triste! Por outro lado há os cursos de “baixo custo” e “baixa tarifa”, como aquelas linhas aéreas que servem pacotinhos de amendoim em vôos de quatro horas. O pior é que há pessoas que pensam que aquelas belas propagandas em outdoors de cursos de “baixa tarifa” são uma alternativa de trabalho profissional e e sonham com a ascensão social oferecida por estes diplomas. Bem, terão um lindo diploma, talvez colorido e dourado, para colocar na parede. A competição, hoje, está baseada em critérios mundiais, não adianta ter um título universitário é preciso ter alta competência para ter alguma chance de sucesso. Olhem os resultados do ENADE deste ano, só 19 de Ciência da Computação cursos que conseguiram a nota máxima (5) entre os 685 registrados no site do MEC. Como resultado desta situação os cursos de graduação iniciaram uma fase de diminuição em seu número, novamente segundo os dados do MEC. Hoje já temos menos cursos do que há três anos. Na pós-graduação tenho a informação que a demanda de candidatos está, atualmente, nos níveis da demanda de 1995~1998!
Depois desta visão negativa, mas real, é preciso encontrar alternativas. Algumas ações estão sendo tomadas. A Sociedade Brasileira de Computação – SBC – promoveu recentemente um encontro sobre os Grandes Desafios para a Décadaonde foram identificados tópicos relevantes e estimulantes para orientar as atividades de pesquisa no período de 2006 a 2016. Aparentemente esta iniciativa tem causado uma boa repercussão na comunidade de computação e propus que o debate fosse continuado em cada um dos Simpósios Brasileiros de Computação da SBC para que consigamos detalhar os desafios e propor projetos de pesquisa em cada uma das áreas de pesquisa e ensino. Após, na semana do Congresso da SBC, participei como debatedor, com dois colegas da UFMG, de uma mesa redonda na Reunião Anual da SBPC para divulgar os resultados desta iniciativa para os pesquisadores de outras áreas. Tivemos um bom público mas, ao perguntar qual a área de interesse dos participantes, descobri que perto de 80% eram da computação! Não estamos atingindo o total da sociedade. Isto em uma reunião científica, imaginem na sociedade como um todo. Precisamos achar uma saída e esboçar um plano de ação.
Por outro lado precisamos regionalizar a imagem da Computação e fazer apresentações e discussões nos colégios sobre aplicações para tratar temas de interesse local. Para os pesquisadores de outras áreas a proposta é de realizar encontros, por área de conhecimento, com o objetivo claro de solicitar que eles nos apresentem os temas que consideram importantes e nos quais a computação poderia auxiliar devido a complexidade intrínseca do problema. Além disto não podemos nos omitir na participação da comunidade no encontro e nas atividades da SBPC. Este ano, além da mesa redonda organizada pela SBC apenas encontrei no programa atividades da microeletrônica. Este setor demonstrou uma grande capacidade de mobilização social e tem conseguido recursos muito bons para apoiar suas atividades. Precisamos ter o mesmo comportamento proativo em todas as áreas da computação.