O tema desta crônica foi uma discussão sobre as referências a artigos de autores brasileiros um Simpósio Brasileiro de Banco de Dados. Nos artigos para completos e curtos do SBBD há uma constatação incrível: nós e nossos alunos continuamos sem referenciar nossas publicações. A pergunta que surge é: Está certo ou errado, ou há uma linha muito tênue em obrigar a cada artigo publicado nos eventos brasileiros referenciar pelo menos 1 artigo de nossos autores, ou publicados em nossos meios de divulgação científica? Publiquei este texto no longínquo ano de 2011, passou o tempo e o problema continua. Recentemente ficamos frente a uma nova realidade e problema, a baixa submissão de artigos para os Workshops. Tratei deste problema no artigo: O que aconteceu com os Workshops? Penso que os dois problemas estão muito relacionados, então resolvi atualizar este texto.
Esta pergunta, sobre a exigência de citações brasileiras, causou um flame terrível na lista de banco de dados da SBC. Eu já tenho tratado deste assunto muitas vezes. Estava conversando com um amigo estes dias e ele me lembrou que os autores dos USA reescrevem a história: tudo foi inventado ou feito pela primeira vez lá. O avião foram os planadores a motor catapultados dos irmãos Wrigth, nada sobre Santos Dumont nem sobre Otto Lilienthal. Sobre o computador, Konrad Zuse não existiu. Até o alto-falante foi inventado por um obscuro californiano. Nós condenamos o padre Landel de Moura como feiticeiro e não como inventor do rádio.
Nós continuamos achando que tudo publicado no exterior é melhor e que não adianta publicar no Brasil. Como consequência, estamos matando nossas publicações. Quantas submissões temos diretamente para o JIDM ou para o Reviews da SBC? Tentei durante dois anos conseguir submissões para a Reviews, sem nenhum exito, as respostas que recebi foram de que não iriam gastar um artigo em um journal brasileiro! E quantos nossos autores estão submetendo muitos artigos no tema para journals? (fica mais charmoso chamar revistas de journals, pois é em inglês).
Qual a resposta de nossos autores sobre esta falta de referência a artigos brasileiros: “Ah, mas ninguém faz o que eu faço aqui no Brasil”. É o complexo de se achar melhor do que os demais pensando que só os autores internacionais estão em seu nível! Será que os trabalhos brasileiros são uma porcaria? É claro que não, em algumas áreas de recuperação de informação, sistemas de informação e bancos de dados temos especialistas de renome internacional, só para ficar na minha área.
As críticas à mensagem foram ácidas, com base em uma dita ética e outras mais positivas de apoio à cultura científica nacional. Aqui referencio algumas da lista BD-Bras, sem citar os autores com meu comentário logo a seguir:
Eu acho errado. Acho acadêmica, ética e fundamentalmente errado alguém ter que (ou não poder) citar seja quem for, seja porque for. Tal “politica” é que isso é tipicamente motivado, corrija-me se eu estiver enganado, pelo fato de se aumentar o “citation count” de alguém ou de algum evento e portanto aumentar seu “impacto”. Porem isso leva a uma inflação invariavelmente não correlacionada com merecimento e portanto causando descredito ao citado, exatamente o contrario do que se queria!
Em minha opinião, a dita ética é a ética dos dominadores. Podemos conceituar ética como “a ética é um a forma de saber normativo, isto é, um saber que pretende orientar as ações dos seres humanos”. Então fica claro que a ética está enquadrada na ação humana. O contexto do agir torna um conjunto de ações aceitáveis para um grupo social. O relacionamento entre os seres humanos cria o fundamento para a construção da ética. Precisamos aceitar que temos trabalhos adequados e que os citar aumenta, sim, o citation counter e isto faz parte da nossa ética de valorizar o que é nosso. A ética dos dominadores é dizer que o que sai dos ditos países periféricos é pior.
Entendo que quanto um autor escolhe um fórum para submeter seu trabalho, ele demonstra algum interesse por aquele público. Portanto, ele deve ser capaz de estabelecer um diálogo com essa comunidade. Nesse sentido, as publicações do fórum escolhido deveriam ser consideradas em sua avaliação. Caso contrário, o trabalho reduz sua capacidade de contribuir com a reflexão da comunidade. Além de poder ser considerado como arrogante, uma vez que deseja o direito de se expressar, sem demonstrar conhecimento/interesse pelo trabalho da comunidade em questão. Caso não existam trabalhos relacionados ao tema ou os trabalhos não sejam dignos de citação, esse tipo de informação não deve ser desconsiderada pois contribui para o desenvolvimento da comunidade.
Considero correta esta afirmação, se alguém quer publicar em um meio de divulgação é porque o considera adequado à sua pesquisa. Então qual o motivo para não citar nenhum artigo anterior deste evento ou revista?
Apesar de concordar com sua preocupação, acho ”errado” obrigar tais citações. Vai na linha de cotas, reserva de mercado, etc., em que se usa mecanismos artificiais para substituir o que deveria ser regido apenas pela qualidade. A toda força corresponde uma reação na direção oposta, mas nesse caso, pode ter certeza, a intensidade da reação seria não igual mas superior e apenas contribuiria para desmoralizar o processo.
Aqui temos, novamente, o problema de um conceito: o que é qualidade? Qualidade é um conceito subjetivo que está relacionado diretamente com as percepções de cada indivíduo. A cultura de um grupo impõe métricas e critérios para o que seja qualidade. Inclusive o autor desta consideração é extremamente competente em sua área, mas onde estão as citações a seus artigos publicados em eventos da SBC em meios de divulgação da mesma SBC? Fiz uma pesquisa e considerei que o número de citações é mínimo! Aí entra, mais uma vez, a percepção cultural de que qualidade é algo feito pelos gurus dos países centrais.
Já faz algum tempo, talvez uns 10 anos, que, numa das nossas reuniões durante o SBBD em que discutíamos o futuro do evento (poucas submissões, artigos apenas em português, pouca internacionalização, etc.), eu disse que o SBBD funcionava muito bem como um ponto de encontro da nossa comunidade, mas que do ponto de vista científico era pouco significativo e poderia até desaparecer sem que representasse um grande impacto, pois muito pouca gente se dava ao trabalho de verificar o que tinha sido apresentado nas edições anteriores e citar em seu trabalhos. Naturalmente, muitos presentes discordaram do meu comentário, mas nada mudou desde então. A nossa comunidade continua ignorando o SBBD/JIDM ao fazer qualquer revisão bibliográfica em seus trabalhos (inclusive projetos encaminhados ao CNPq).
Este comentário finaliza a discussão: é mortal e condensa a situação. Aqui se vê que estamos subordinados à cultura e, consequentemente, à ética dos dominadores. Não acreditamos em nós. Está na hora de mudar isto. Não se trata de nacionalismo barato, mas de cultura real e brasileira. Estou cansado de ver referências a trabalhos irrelevantes enquanto trabalhos de qualidade brasileiros não são citados. Conclamo aos revisores brasileiros em suas revisões em meios nacionais e internacionais fazer ver aos autores que há trabalhos nossos de qualidade.
- Para concluir, se passaram 13 anos e nada mudou, ou muito pouco. É preciso agir. Leiam os textos sugeridos abaixo, Já publiquei muito, mas precisamos de ação e não de debates.