Horizonte 2026 das pós-graduações em computação

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Continuando em uma análise do que deve ser a qualidade em um programa de Pós-graduação em Ciência da Computação estou apresentando algumas percepções e ideias para o futuro. Inicialmente vou escrever um pouco sobre a evolução, no sentido de variação ao logo dos tempos, da minha experiência pessoal no PPGC da UFRGS. Entretanto, estas considerações são razoavelmente válidas para os cursos consolidados de pós-graduação do país que iniciaram mais ou menos no mesmo período.

O início do nosso programa foi uma ação conjunta entre o Centro de Processamento de Dados da UFRGS, onde estava localizada a Divisão Acadêmica que foi a antecessora do Instituto de Informática (história) e departamentos e o Instituto de Física. Naquela época não havia curso de graduação em Computação no Brasil, então foi um trabalho de formação básico. Naquele tempo os professores podiam ter apenas o mestrado (e eram mestrados recentes), os únicos professores com doutorado eram os provenientes do Instituto de Física que tinha já uma tradição em pesquisa. Um pouco sobre o início do PPGC da UFRGS pode ser lido aqui. O folheto da primeira turma do CPGCC (1973) mostra o elenco de disciplinas, hoje seria uma pequena parte da formação de um graduado. Este foi o começo heroico. Por outro lado, o curso de mestrado levava quase sempre três anos, ou pouco mais, de dedicação intensa a estudo e trabalhos de pesquisa com forte interação entre os alunos e os professores de todas as áreas (voltarei a este ponto). Um aluno devia obter um mínimo de 32 créditos, mas muitos obtinham mais. Naquele momento (quatro décadas já se passaram) ao terminar o mestrado o aluno tinha uma visão ampla dos conhecimentos da área. Para obter estes créditos precisava cursar 8 disciplinas.

Neste tempo o grande diferencial do PPGC, e de outros dos programas iniciais como o da UFRJ, era a integração forte entre software e hardware, resultado da interação entre o CPD e a Física. O SEMISH foi iniciado em nosso programa em 1974 da integração é que surgiu seu nome: Seminário Integrado de Software e Hardware. Aqui volto a salientar a palavra-chave: integração. O nosso egresso saia com uma formação geral. O tempo passo e ocorreu uma grande evolução na qualificação do corpo docente tendo todos os professores iniciais obtido doutorados em instituições de qualidade no Brasil e no mundo. Com o retorno dos doutores, os cursos e os projetos de pesquisa experimentaram um salto de qualidade, sendo fortemente incrementado o intercâmbio com importantes instituições estrangeiras, especialmente aquelas situadas na Europa, mais especificamente na França e na Alemanha.

As áreas de pesquisa foram consolidadas, surgiram projetos de pesquisa financiados pela CAPES, CNPq e outras fundações. Posteriormente a Câmara de Pós-graduação exigia de cada programa um elenco obrigatório de disciplinas básicas, o kernel do curso. Nós tínhamos este elenco central e as disciplinas adicionais, alternativamente os alunos poderiam fazer exames nos temas destas disciplinas para obter a liberação.

A seguir começou a pressão dos órgãos do governo federal para a redução do tempo dos cursos (economia de bolsas) o que causou uma mudança visando a racionalização dos programas de pós-graduação. O objetivo não era mais a qualidade, mas o número de formandos por ano e o número de artigos publicados: a qualidade é dificilmente associada com a pressa. Isto é o produtivismo em sua pior faceta. Pós-graduações não são linhas de produção, nós não somos trabalhadores da educação, mas pesquisadores e alunos de pós. Não somos pagos para publicar artigos, mas para pensar.

Os novos professores retornaram de seus doutorados, para nosso programa e para os demais programas no país, com temas de pesquisa bem específicos, não passaram pelas fases de consolidação da área que obrigava a uma atuação bem mais abrangente. Suas pesquisas atuais são bem focadas em tópicos específicos, isto é uma necessidade para a obtenção do reconhecimento na sua área. Entretanto, em seus doutorados, devem ter tido a experiência de uma formação mais ampla do que a específica de suas teses. Aí surge a dicotomia: a pesquisa individual ou do grupo e a necessidade de formação dos alunos. Isto são duas realidades e necessidades diferentes. Como resultado do produtivismo de tempos imposto pelos órgãos de fomento e pela visão de ser importante formar os alunos para os grupos de pesquisa, pois isto gera as produções necessárias para as bolsas dos professores e para a concessão dos projetos estamos formando doutores e mestres que só tiveram cursos com seu orientador e seus pesquisadores associados.

Para criarmos um modelo de um programa de qualidade é importante que estudemos os líderes na área. Um bom início é a lista Academic Ranking of World Universities in Computer Science.. Com base nesta lista estou fazendo uma análise, baseada na documentação disponibilizada pelas Instituições, sobre os modelos lá implementados. Comecei com Stanford e tenho várias análises sobre o programa de doutorado daquela instituição disponíveis no site. Mas aqui vou me ater ao assunto das disciplinas. É evidente que um doutor em computação precisa ter uma visão global da CC. Uma redução dos créditos ou limitação de créditos em um grupo de pesquisa implica em que um aluno de doutorado pode ser titulado tendo seguido apenas as disciplinas de seu grupo. O critério de seguir disciplinas de pelo menos quatro membros diferentes do corpo docente, como é obrigatório em Stanford, obriga uma maior abertura de visão. A necessidade de seguir disciplinas das três grandes áreas dá a visão global necessária para um doutor. Este modelo vem ao encontro do que tenho defendido seguidamente: não é possível permitir que alguém ganhe um título de doutor em computação sem que tenha uma visão global e heterogênea (diversos professores de diferentes grupos) da computação. A obsessão brasileira por um produtivismo (no sentido que um doutorado precisa ser concluído em quatro anos ou menos e que a qualidade é medida por uma métrica naïf unidimensional de publicações QUALIS) vai contra a qualidade da formação.

Assim chego à conclusão: cada um de nós, antigos conservadores e novos muito focados, precisa abdicar de ter a sua disciplina e precisamos ter definida uma área kernel com os temas obrigatórios, como as três grandes áreas de Stanford. Não é possível, em minha visão, formar doutores em computação que só conheçam a sua área específica de pesquisa. A alta competência específica é absolutamente necessária, mas a visão abrangente da Ciência da Computação é essencial para o título de doutor.

Para aqueles que discordam desta posição peço que coletem dados das Universidades líderes no mundo que tenham modelos similares ao nosso modelo atual em que formamos mestres e doutores com poucas disciplinas oferecidas por seu grupo de pesquisa ministradas por dois ou três professores do grupo e trabalhos individuais. Qualidade é essencial e não quantidade, termino com uma citação bíblica: “Muitos são os chamados poucos os escolhidos”, precisamos de prêmios Nobel e não de um bando de doutores “meia boca”.

 

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