Tenho sempre defendido um uso adequado do copyright. Esta é a posição que apresentei na crônica Publicações Livres, onde há uma defesa explícita da liberdade de publicação na Web. Na crônica Segredo na Pesquisa procurei demonstrar os efeitos daninhos da apropriação do conhecimento por grupos econômicos ou acadêmicos. Por outro lado sempre defendo a necessidade de ética na pesquisa e no ensino, em minhas aulas inaugurais de cada disciplina incluí uma página denominada Código de Honra onde saliento a necessidade de trabalho individual baseado na experiência e nas publicações passadas mas sem apropriações indébitas de trabalhos de outros.
Código de Honra
Espera-se que cada aluno obtenha seu grau baseado exclusivamente na avaliação de seu esforço e trabalho pessoal. Conseqüentemente qualquer forma de conversa em exames, ou plagiarismo em trabalhos, constitui-se em fraude inaceitável e em desonestidade. Estes comportamentos não podem ser aceitos em uma Universidade. Constituem-se em atitudes previstas no Código Disciplinar Discente da maioria das Universidades e são puníveis de acordo com o grau de severidade de acordo com a regulamentação.
Uma frase de efeito, atribuída a Isaac Newton, condensa esta posição: “In the sciences, we are now uniquely privileged to sit side by side with the giants on whose shoulders we stand.” Aliás uma parte desta frase foi tomada como mote pelo Scholar Google, acho que para balizar o uso correto deste serviço. Estas reflexões, e a minha página sobre a honra acadêmica, surgiram devido a uma série de fatos em que, infelizmente, estive envolvido. Todo o professor sabe que a “cola” é um elemento inevitável no ensino, há sempre um momento de fraqueza quando alguns alunos caem em tentação de achar caminhos mais fáceis. Mas a situação está se tornando muito difícil.
Vamos ver os fatos a que me referi, estou citando sem ordem cronológica para evitar identificação: uma proposta de tese de doutorado em que a pessoa copia cerca de 10 páginas de outro aluno; uma dissertação de mestrado em que o candidato (reprovado) utiliza um software comercial como se fosse a sua contribuição; alunos da graduação que copiam códigos completos da Web em um trabalho de disciplina; dois orientandos entregam para seu orientador um artigo em inglês para envio a um congresso, o artigo volta, pois o chair submeteu-o a um verificador de plágio e mais de 55% eram textos achados na Web; um aluno de especialização que apresenta a proposta de trabalho de conclusão copiado totalmente de duas fontes na Web; um aluno de mestrado que apresenta uma dissertação idêntica a um trabalho individual de mestrado! Basta! Tudo isto ocorreu em vários anos (recentes) e em várias Universidades. Será que estou “carregado” ou esta é uma situação geral? Acho que é geral.
Uma das origens destas atitudes de plágio pode ter origem na ganância de produtores de material com que estimula a “cópia alternativa”, um eufemismo para a , de software e de outros materiais digitais. Nesta discussão entra o outro lado da questão: a defesa da liberdade de publicação e de copiar, legalmente, partes de código ou de textos para uso não comercial. Acho que uma analogia pode ser feita com a , uma visão fundamentalista e míope sobre os malefícios do consumo do álcool levou a expansão desenfreada do gangsterismo na década de 30 nos USA. O mesmo acontece com o uso imoderado de “direitos” sobre material cultural. Um exemplo flagrante deste fato é a atual discussão e alteração profunda do conceito de direto autoral. Este conceito foi criado para salvaguardar o trabalho do autor e garantir sua justa remuneração. Atualmente este conceito está sendo totalmente deformado para proteger interesses de grandes corporações. Por exemplo, histórias recolhidas da tradição européia como a Bela e a Fera, o Gato de Botas e a história medieval do Lobo Mau foram apropriadas, sem nenhum pagamento, e transformadas em produto intelectual, com o beneplácito do governo interessado. Neste momento cria-se uma legislação sobre direitos autorais (autorais?) de até 99 anos ou mais! O que era público transforma-se em fonte inesgotável de lucro para o primeiro que se apropriar de uma idéia pública. O mesmo está se passando com o acervo cultural da Humanidade, pouco a pouco sendo privatizado. Outro aspecto restritivo é o constante cerceamento da liberdade de pesquisa em diversas área das TIs, como criptografia, segurança de acesso a dados e outras, sob a desculpa da garantia de direitos sobre conteúdos digitais. Muitas conferências sobre criptografia não podem mais ser realizadas nos USA sob o risco de prisão de autores que ousam analisar os algoritmos de codificação de CDs…
Estes comentários não são uma defesa da pirataria, é uma simples constatação de como começa o processo: atitudes extremadas e não justificadas de defesa de alguns “princípios” levam a uma contra ação justificada que degenera em crime. Esta ganância, por parte dos produtores e distribuidores de material “copryraitado” levou a partes significativas da sociedade a achar normal “obter copias alternativas” de material digital. O afrouxamento do respeito pela propriedade, ou melhor, pelo direito de autoria, está levando grande parte de nossos alunos a acharem normal copiar conteúdos acadêmicos, e o que é pior, a nem tomarem consciência que esta cópia é fraude. Inicialmente esta cópia usada como uma defesa do cidadão, passa a ser um comportamento fraudulento quando as barreiras éticas cedem; então “tudo é permitido”.
Anteriormente escrevi sobre a defesa de que “Copiar e recombinar deveriam ser direitos inalienáveis de todo ser vivo” tal como foi apresentada em uma palestra do Prof. Imre Simon no XXV Congresso da Sociedade Brasileira de Computação é uma atividade legal e importante. Esta apresentação deixou muito clara qual a diferença entre a atitude criadora e a cópia ilegal. Uma posição criteriosa e não gananciosa de respeito da propriedade cultural, acho, não nos teria levado a este ponto. Esta reflexão surgiu quando li uma notícia sobre “caçam plagiadores” da Agência Estado. Está na hora de lançarmos uma campanha nacional nas Universidades sobre o tema. Não é absolutamente aceitável a cópia de trabalhos alheios sem sua citação. É preciso uma campanha educativa e, ao mesmo tempo uma repressão enérgica. Por um lado é essencial que deixemos claro para nossos alunos que copias sem dar os créditos é errado. Isto deve ser feito desde pequenas coisas como colocar figuras em trabalhos acadêmicos sem citação da fonte, estes pequenos detalhes são a origem da insensibilização para cópias maiores.
Para tentar melhorar a compreensão de porque os alunos fraudam adaptei, a seguir alguns pontos do relatório de pesquisa: Chester G. (2001) Plagiarism detection and prevention: final report on the JISC electronic plagiarism detection project. Este problema de fraude está crescendo e precisamos entender os motivos que levam um grande número de alunos a praticarem um deslavado plagiarismo. De uma parte a sobrecarga de professores não permite a repressão necessária, é preciso dizer não às atitudes não éticas, mas para isto é preciso tempo para a detecção, por outro lado a compreensão do problema facilita o encaminhamento de uma orientação e prevenção desta atitude. Vejamos os motivos do plagiarismo.
1) Ignorância: muitos estudantes não tem um noção clara sobre a atividade de cópia indevida (plagiarismo) e não se conscientizam que sua atitude é incorreta. É preciso que seja dada intrução frequente e adequada sobre a forma de referenciar adequadamente os trabalhos correlatos utilizados.
2) Pressão por resultados: os estudantes que se sentem sob pressão para produzirem resultados cada vez melhores, e muitas vezes acima de suas possibilidades ou competências tendem a procurar alternativas. Com o acesso facilitado a inúmeros trabalhos via Web o plagiarismo é um caminho fácil. os professores devem se lembrar que ensinar não é levar os estudantes a uma situação de stress extremo para que produzam mais, mas sim trabalhar um processo de apoio e compreensão das suas dificuldades com o objetivo de atingir o melhor resultado possível, não um ideal inatingível para muitos.
3) Falta de tempo: quando os estudantes deixam o trabalho para o último minuto o plagiarismo aparece como uma solução de última chance. É preciso desenvolver avaliações que deem valor tanto ao processo de realização quanto ao resultado final. Mas alguém que precisa trabalhar todo o dia e vai para a Universidade de noite, como é o caso da grande maiorias dos estudantes no Brasil, pode encontrar tempo? E o que dizer de professores que precisam ministrar 28 horas de aula por semana, eles podem fazer uma avaliação de todo o trabalho? É preciso repensar todo o processo educativo para estes casos.
4) Cursos irrelevantes: se um aluno considera a matéria irrelevante para a sua formação há uma tendência para o menor esforço, é preciso garantir que os conteúdos sejam realmente relevantes e, principalmente, que os alunos o entendam. Na computação existe, hoje, uma tendência dos alunos viverem com expectativas de curto prazo, só se interessam por conteúdos rapidamente aplicáveis como linguagens de programação ou utilização de ferramentas. É essencial que reforcemos o entendimento de que conteúdos mais abstratos são essenciais.
5) Professores medíocres: quando um aluno percebe que o material de estudo está defasado e que aparentemente não foi atualizado nos últimos anos, ainda mais em computação quando acham que quatro anos é uma eternidade. Pior, quando o professor demonstra em aula um total desengajamento e atualização com o assunto há uma tendência para repetir este comportamento e copiar material já existente.
6) Afrontar o sistema: alguns estudantes são por natureza ou por experiêcias negativas, contestadores ou anarquistas; para eles desafiar o sistema é uma missão. Este é o caso mais difícil, quando identificados um apoio psicológico deveria ser de praxe. Para desestimular este comportamento é importante que mecanismos de pressão na detecção de fraudes de plagiarismo, como programas específicos, sejam implantados.
Por uma campanha de Respeito e Integridade Acadêmica, esta pode ser a nossa contribuição para melhorar o País nesta hora de falta de integridade moral e de liberação da fraude!