Há algo de paradoxal e profundamente humano na forma como a escassez, quando bem compreendida, pode ser mais fecunda do que a abundância. O etólogo John B. Calhoun demonstrou isso perturbadoramente em seu experimento “Universo 25”. Construiu para ratos um paraíso sem ameaças: alimento ilimitado, temperatura agradável, abrigo em excesso. Nada lhes faltava e, ainda assim, tudo ruiu. À medida que o conforto se tornou total, cessaram a curiosidade, a cooperação e o impulso de cuidar da prole. A sociedade dos ratos, saturada de segurança, perdeu o sentido de viver e de criar. O excesso matou o espírito.
Talvez algo semelhante ocorra conosco quando a motivação genuína é substituída por incentivos externos. Na pós-graduação, por exemplo, observamos hoje um fenômeno curioso: mesmo quando as condições objetivas se deterioram, escassez de bolsas, sobrecarga de trabalho, estudantes divididos entre emprego e pesquisa, alguns programas continuam florescendo, produzindo ciência e formando pessoas notáveis. O segredo, ao que parece, não está na abundância, mas na presença de líderes e na força de propósitos partilhados.
Um programa de pós-graduação é, antes de tudo, uma comunidade de sentido. Quando a bolsa se torna rara e o tempo escasso, o que mantém o estudante em movimento é o significado do que faz. A pesquisa ganha nova densidade quando não é mero cumprimento de metas, mas resposta a uma inquietação real. Nesse ponto, a figura do professor é decisiva: é ele quem acende e sustenta o fogo da curiosidade. O docente que pesquisa com paixão, que acredita no valor do conhecimento e o transmite com convicção, é o antídoto contra o “Universo 25” acadêmico, aquele em que a rotina e a indiferença dissolvem o espírito científico.
Há, porém, outra dimensão dessa história, evocada por Domenico De Masi em A emoção e a regra: os grupos criativos na Europa de 1850 a 1950. Ao estudar coletivos como os impressionistas, os cientistas de Cambridge ou os artistas da Bauhaus, De Masi mostrou que a criação floresce em ambientes que equilibram disciplina e entusiasmo. A emoção, sem regra, é dispersão; a regra, sem emoção, é burocracia. Entre ambas, há um espaço de liberdade criadora, e é aí que surgem as grandes ideias.
Aplicado à pós-graduação, o ensinamento é claro: o rigor científico é indispensável, mas somente floresce plenamente ao combinar-se a uma atmosfera vibrante de entusiasmo, pertencimento e admiração recíproca. Grupos de pesquisa que conseguem harmonizar método e paixão, razão e imaginação, criam um ecossistema intelectual capaz de sustentar-se mesmo diante das limitações materiais. São espaços onde a curiosidade é cultivada, o diálogo é permanente e a busca pelo conhecimento assume um caráter coletivo, cada membro sente-se parte de uma missão comum. Nesse ambiente, o estudante de dedicação parcial encontra não somente tempo, mas sentido para dedicar-se à pesquisa, compreendendo que seu esforço contribui para algo que ultrapassa sua trajetória individual. E o professor, ao ver brotar uma geração de jovens cientistas movidos pela descoberta e pela cooperação, reencontra sua própria vocação e renova o compromisso com a formação.
Essa dimensão do sentido, mais do que uma questão pedagógica, é uma necessidade existencial. O psicólogo Viktor Frankl, sobrevivente dos campos de concentração de Dachau e Auschwitz, demonstrou que a força fundamental que sustenta o ser humano mesmo em meio ao sofrimento é a busca por um propósito. Em sua Logoterapia, Frankl mostrou que “quem tem um porquê para viver pode suportar quase tudo …”. Esse princípio aplica-se, com igual profundidade, à vida acadêmica: quando a pesquisa é movida por um “porquê”, a vontade de compreender, de contribuir, de formar, ela resiste às carências e transcende as dificuldades materiais. Assim como os sobreviventes descritos por Frankl, programas de pós-graduação que cultivam propósito e liderança inspiradora tornam-se espaços de resistência intelectual e humana, onde o conhecimento não somente se produz, mas se justifica como ato de esperança.
Em tempos de incerteza, cabe a nós, professores, reacender o entusiasmo que dá sentido à vida acadêmica. Somos os guardiões da chama que inspira nossos alunos a perseverar, mesmo quando faltam recursos. Cada orientação, cada conversa, cada descoberta compartilhada pode transformar a escassez em oportunidade. Quando o exemplo e a paixão guiam o ensino, a pós-graduação deixa de ser apenas um degrau na carreira e volta a ser o que sempre foi em sua essência: uma aventura intelectual capaz de renovar a esperança e mover o futuro.



