Ele era simples, às vezes chato, geralmente mal pago. Mas era essencial. Era onde o jovem aprendia a olhar o mundo do trabalho. O primeiro degrau ensinava humildade, paciência, escuta, responsabilidade. Era onde se começava como estagiário, aprendiz, assistente, trainee. Era também onde se tropeçava e se aprendia com a queda. Hoje, esse degrau está desaparecendo. Não porque tenhamos aprendido, mas porque construímos máquinas que o fazem por nós — e que não precisam aprender com o erro, somente recalibrar algoritmos. A inteligência artificial, com sua eficiência, começa a ocupar os espaços de iniciação profissional. Ferramentas de codificação substituem o desenvolvedor júnior; softwares jurídicos encurtam a curva de aprendizado dos jovens advogados; chatbots assumem o bom-dia mal formulado e a resposta vacilante dos novatos no balcão de atendimento. Mas sem o primeiro degrau, como se aprende a subir a escada?
É curioso — e preocupante — como repetimos, agora no escritório, a história da indústria nos anos 1980. Quando as fábricas fecharam suas portas para os trabalhadores iniciantes, não foi apenas a produção que caiu: caiu também a dignidade de milhões. Agora, o mesmo enredo se desenrola nos corredores corporativos, onde antes se gerava a experiência e o saber prático. Enquanto isso, a universidade segue formando jovens para um mundo que talvez já não os queira. É injusto responsabilizá-la sozinha: ela carrega expectativas de ascensão social que o ensino técnico — mais curto, mais direto, muitas vezes mais rentável — não conseguiu simbolizar da mesma forma. Mas se o mercado fecha as portas de entrada, é a universidade que paga o preço, acusada de ser irrelevante, abstrata, descolada da realidade.
Há cerca de três anos, escrevi a crônica “Para que Diploma?”, e a pergunta retorna agora com mais urgência. Talvez seja hora de perguntar: para que carreira, afinal, estamos preparando nossos jovens? Se não há mais espaço para o aprendizado gradual, será preciso que ele se antecipe — e isso significa redesenhar o papel do ensino médio, do técnico, da própria universidade. Não como substituição da experiência, mas como simulação, como laboratório ético e prático do mundo que os espera.
A escada não pode começar no terceiro degrau. É preciso garantir o primeiro — seja no chão da fábrica ou no ambiente virtual. Caso contrário, formaremos especialistas brilhantes que nunca souberam o que significa começar de baixo. E uma sociedade que não reconhece o valor do início corre o risco de não saber mais para onde ir.
O primeiro degrau não é somente uma etapa. É um rito de passagem. E está desaparecendo diante de nossos olhos.