Diversidade da cultura da humanidade

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No início do século XIX, Sequoyah, pertencente à Nação Cherokee, concebeu um dos feitos intelectuais mais notáveis da história: criou, sozinho, um sistema completo de escrita para seu povo. Analfabeto, mas profundamente consciente do valor da palavra e da memória coletiva, ele percebeu que o conhecimento Cherokee, transmitido somente oralmente, estava ameaçado de desaparecer. Após anos de tentativas frustradas, Sequoyah compreendeu que o essencial era representar sons, não ideias. Assim nasceu o silabário Cherokee, composto por oitenta e cinco sinais que traduziam com precisão a estrutura sonora da língua. Sua invenção revolucionou a vida de seu povo: em poucos anos, milhares de Cherokees tornaram-se alfabetizados, publicaram o Cherokee Phoenix, o primeiro jornal indígena das Américas, e registraram, pela primeira vez, sua própria história com as próprias mãos.

A criação de Sequoyah foi mais do que um triunfo linguístico: foi um ato de resistência cultural. Enquanto o povo Cherokee enfrentava a perseguição e o exílio forçado, culminando na trágica “Rota das Lágrimas”, o silabário preservou sua língua e sua identidade. Mesmo diante da destruição material, os Cherokees levaram consigo o poder da escrita, que sobreviveu ao apagamento e renasceu nas escolas, nas estradas e até nas telas digitais da atualidade. Sequoyah, que nunca leu ou escreveu em inglês, legou à humanidade uma lição de dignidade intelectual e amor à cultura: mostrou que a escrita não é somente um instrumento de comunicação, mas um meio de garantir a permanência de um povo na história.

A história de Sequoyah e da Nação Cherokee não é somente um episódio isolado da história norte-americana ou das chamadas Primeiras Nações; é um capítulo essencial da História da Humanidade, ao dizer respeito à universalidade da inteligência humana, à luta pela preservação cultural e ao poder emancipador da linguagem.

De fato, o feito de Sequoyah, criar um sistema de escrita completo sem jamais ter aprendido a ler ou escrever, é uma das mais impressionantes expressões do espírito humano. Ele realizou, sozinho, o que civilizações inteiras levaram séculos para alcançar. Entretanto, compreender essa façanha em uma perspectiva histórica mais ampla exige reconhecer que toda cultura é parte de uma história comum que o isolamento, ainda que justificado pela resistência à opressão, não pode ser confundido com rejeição ao diálogo entre civilizações.

A genialidade de Sequoyah não reside em se opor à cultura europeia ou em negar o conhecimento ocidental; ela consiste em afirmar a dignidade intelectual e simbólica de seu próprio povo. Ao criar o silabário, ele não “reinventou a roda”, mas afirmou o direito de caminhar com os próprios pés sobre um terreno já marcado pela imposição e pela violência. Sua invenção não negou a história da humanidade, ao contrário, a ampliou, ao incluir nela uma nova voz, antes silenciada.

A verdadeira crítica que se pode extrair dessa história não é contra o sistema educacional mundial, mas contra qualquer forma de educação que imponha uma cultura como única via legítima de conhecimento. A lição de Sequoyah mostra que o aprendizado humano é múltiplo, que a racionalidade não pertence a uma única tradição, que o diálogo entre saberes é o caminho para a evolução coletiva. Negar a interdependência cultural seria, de fato, um retrocesso; mas negar a diversidade e a autonomia de cada cultura seria igualmente contrário à lógica da convivência humana.

Assim, esta narrativa dos Cherokees é um lembrete de que a História da Humanidade não é uma linha única que parte da Europa em direção ao resto do mundo, mas uma teia de histórias interligadas, em que cada povo contribui com uma forma singular de interpretar o mundo. Na luz da razão e do respeito mútuo, a missão de cada ser humano e, por extensão, de cada cultura, é participar da construção comum da civilização, não pela dominação, mas pela partilha.
Sequoyah, ao criar o seu silabário, não rompeu com a humanidade: restituiu-lhe uma parte perdida de sua própria riqueza. Ele nos recorda que preservar uma língua é preservar uma visão de mundo e que o verdadeiro progresso só se realiza quando a diversidade humana é reconhecida como expressão da mesma inteligência universal.

A história de Santiago Ramón y Cajal, fundador da neurociência moderna, oferece uma poderosa analogia à experiência de Sequoyah e do povo Cherokee. Ambos demonstram que o domínio da linguagem, seja ela científica ou simbólica, é um instrumento de emancipação cultural e intelectual. Assim como Cajal recusou-se a submeter-se à hegemonia do alemão e afirmou o valor de sua língua nativa, fundando revistas científicas em espanhol, Sequoyah, no início do século XIX, recusou-se a aceitar que somente os colonizadores detivessem o poder da escrita. Criou, portanto, o silabário Cherokee, um sistema original que deu voz e permanência ao pensamento de seu povo.

Nos dois casos, há uma resistência à imposição cultural e uma afirmação da identidade por meio da linguagem. Cajal obrigou os cientistas europeus a aprender espanhol para acompanhar o avanço da neurociência; Sequoyah fez com que seu povo pudesse registrar sua história, suas leis e sua memória coletiva. Ambos compreenderam que a escrita é mais do que um meio técnico de comunicação: é uma forma de soberania intelectual.

Esses exemplos, separados por contextos e séculos distintos, convergem numa mesma lição universal: o progresso humano não nasce somente do domínio das ferramentas, mas da coragem de afirmar o próprio modo de dizer o mundo. Tanto na Espanha de Cajal quanto na Nação Cherokee de Sequoyah, a linguagem tornou-se instrumento de libertação e continuidade cultural — uma vitória do espírito humano sobre a uniformização imposta pelos impérios e pelas convenções.

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