Se olharmos o número de conferências divulgadas nas principais listas de discussão certamente nos perguntaremos de onde saem tantos participantes para garantir a assistência a estes eventos? Aparentemente não há uma fonte sempre crescente de participantes e, com a estagnação populacional dos países centrais, parece que esta fonte pode diminuir. Pelo menos considerando os participantes tradicionais. Será que não estão acontecendo eventos demais? Vamos tentar discutir um pouco este assunto. Já aviso que não estou propondo uma solução definitiva, estou apenas levantando um problema para discussão e apresentado uma primeira sugestão de encaminhamento.
Esta situação de proliferação de conferências pode ser bem identificada aqui no Brasil, há uma quantidade, sempre crescente, de eventos de Simpósios e de Workshops. Por um lado isto é uma demonstração de vitalidade e da existência de grupos dinâmicos nas mais diversas áreas. Por outro lado o esforço de organização de tantas conferências diminui a capacidade de trabalho nas atividade fim: a pesquisa.
Para começar a discussão vamos nos perguntar para que servem conferências científicas? A resposta mais imediata é: para permitir o intercâmbio rápido de experiências de pesquisadores, isto é feito antes que os resultados estejam completamente prontos para um registro definitivo em revistas. Na área da Computação, de forma completamente diferente do que acontece em outras áreas, as boas conferências têm uma taxa de aceitação menor do que 33% e os artigos aceitos para publicação completa têm cerca de 10 páginas. Esta realidade é completamente diferente de áreas onde artigos de revista têm algo como duas páginas e uma dezena ou mais de autores, sendo que uma revista com alto índice de impacto ( >4 ) podem publicar até cerca de 1.200 artigos por ano!
Então é importante discutir o problema em nossa área onde o processo de redação, revisão, seleção e publicação dos artigos em conferências ultrapassa o esforço realizado para a publicação de artigos em revistas de outras áreas. Para começar vejamos o comportamento do número de conferências ao longo dos anos.
Fig. 1: Participantes e número de conferências
Acima encontramos um gráfico, adaptado de uma grande sociedade científica, que mostra o crescimento do número das conferências em Computação no mundo, em vermelho, em relação ao número agregado de participantes (a soma de todos os participantes em todas as conferências), em verde.
Uma constatação é imediata: apesar do aumento vertiginoso do número de conferências o número agregado de participantes tem-se mantido estável nestes últimos 20 anos. A primeira conclusão é que o número de participantes por conferência diminuiu. A explicação para este fato, provavelmente, é que as conferências estão tratando de temas mais específicos congregando uma pequena comunidade com interesses muito próximos.
A segunda conclusão é de que os custos e o esforço para organizar uma conferência, divididos pelo número de participantes, aumentaram significativamente ao longo desta duas décadas. Isto implica em que os pesquisadores estão gastando mais tempo em organizar conferências e este tempo está sendo retirado da pesquisa.
A terceira conclusão é que o número de referees disponíveis por artigo diminuiu. O número de referees não deve ter variado de forma muito diferente da variação do número de participantes nas conferências, enquanto que o número de artigos varia de forma proporcional ao número de conferências. Novamente estamos tirando tempo da pesquisa para alocá-lo em revisões de artigos. Outra coisa que se observa é que as taxas de aceitação não diminuíram, até aumentou muito a competição para publicação, o que significa que há mais submissões por conferência..
Já temos um quadro geral da situação: ocorreu uma fragmentação das áreas temáticas das conferências e um aumento significativo do tempo gasto na organização e avaliação destes artigos. Creio que as duas principais conseqüências negativas são o aumento do esforço na organização dos eventos e a fragmentação do conhecimento que limita as possibilidades de cooperação entre áreas bastante próximas. Nem vou citar a dificuldade de cooperação entre áreas mais afastadas, mas que certamente têm muitos problemas e fundamentos em comum.
Do ponto de vista da qualidade dos trabalhos é difícil encontrar diferenças significativas entre artigos da conferência principal e de alguns de seus workshops associados. Há casos em que a taxa de aceitação do workshop é menor do que a da conferência principal (é mais competitivo), os membros do comitê de programa são de mesmo nível do que os da conferência principal mas sua avaliação QUALIS é pior do que a da conferência principal. Se observarmos o número de Simpósios Brasileiros e de Workshops no Brasil veremos um aumento significativo ao longo dos últimos dez anos. Não tive tempo para fazer um levantamento detalhado da série histórica, isto poderia ser um bom trabalho de diplomação: o estudo da evolução das conferências da SBC com a análise das áreas e dos grupos participantes e das taxas de aceitação. De qualquer forma a minha experiência mostra que houve um aumento significativo, este ano ainda não tive tempo de atualizar o Lattes com todas as participações em comitês de programa. É obvio que não foi possível comparecer a muitos dos Simpósios Brasileiros que me interessam.
Uma alternativa que me parece válida seria a agregação de vários Simpósios Brasileiros em grandes eventos. Já temos, por exemplo, o SBBD e o SBES que se realizam na mesma semana junto com uns cinco workshops e outros eventos. Seria possível agregar, quem sabe, o WebMídia neste pacote. A grande vantagem seria a condensação de eventos correlacionados em “pacotes”, desta forma a organização economizaria esforço pois não seriam necessárias equipes completas para cada evento isolado e, por outro lado, permitiria o intercâmbio de experiências em áreas mais amplas. Imagino que uns três “pacotes” destes por semestre mais o Congresso Nacional, permitiria um gerenciamento mais racional do tempo dos participantes e dos esforços de organização.
Quanto aos workshops, há uma tendência dos mesmos evoluírem para Simpósios Brasileiros, aumentando ainda mais a competição de recursos e de datas. Esta tendência é exacerbada pela avaliação, já tratada anteriormente, inferior dos workshops em relação aos Simpósios. Em minha visão a alternativa seria criar uma série de “trilhas” (tracks) em cada pacote de eventos. Estas trilhas poderiam variar ao longo do tempo permitindo, por exemplo, que workshops orientados para comunidades menores ocorressem a cada dois ou mais anos. Isto permitiria a alocação dinâmica dos sub-eventos. As seções de posters se constituiriam em mais uma trilha com os artigos sendo publicados como artigos curtos de duas ou quatro páginas. Do ponto de vista da organização data trilha possui seu comitê de programa mas a organização física é apenas um para todo o evento.
Restam dois problemas: este modelo de pacotes de eventos necessita de maiores centros de eventos, limitando as alternativas de localização, e a realização dos minicursos. Acredito que a melhor solução é a realização de Escolas Regionais, a nossa experiência com as Escolas Regionais (Sul) de Banco de Dados foi espetacular. Os minicursos fariam parte integrante destas escolas com a possibilidade de serem realizadas em cidades menores e permitindo um melhor acesso aos alunos de graduação e permitindo a aquisição de experiência de organização de eventos e de seleção de artigos para professores e pesquisadores que estejam iniciando suas atividades.
Esta é uma proposta inicial que espero possa gerar uma boa discussão e, quem sabe, se a criação de um novo modelo de conferências. Notem que o problema não é brasileiro, é um problema mundial que está gerando uma série de debates em organizações científicas, pois começa a ocorrer a inviabilização econômica de muitas conferências e mesmo de organizações. Seria bom que planejássemos as alternativas para o futuro antes de sermos pegos de surpresa.