Noto que temos um descompasso entre o ensino de computação e as demandas da sociedade. Já escrevemos sobre isso no Laboratório de Ideias do EduComp de 2022: “Repensando o ensino de computação” que está disponível na plataforma SOL da SBC. Ali tínhamos notado que “O ensino superior brasileiro de Computação está sofrendo uma grande pressão nesta fase que se encaminha para uma pós-pandemia. Os sintomas de um desalinhamento com as necessidades da sociedade e das empresas de computação já vinham sendo percebidos, e a pandemia, com a consolidação de formas de trabalho híbrido, reforçou essa percepção”. Neste post estou introduzindo a ideia de integração de alguns cursos mais técnicos com as empresas mostrando o modelo francês de “alternância” onde o estudo e a prática são intercalados. Este assunto será tratado em mais profundidade em um próximo artigo.
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Na França, a partir do final dos anos ‘90 o conceito de alternância, combinando as etapas de aprendizagem em um ambiente tradicional de ensino com a experiência prática, tem se desenvolvido. Como referência para o estudo deste comportamento pode-se citar o livro Francophone Perspectives of Learning Through Work (1) como uma referência importante.
Infelizmente, na França, as Corporações (Guildes) foram fechadas pela Revolução Francesa de 1789 acabando com o sistema de aprendizado no trabalho. Os princípios positivistas, vindo da filosofia do Iluminismo, provavelmente estimulou esta separação deixando a ciência como algo mais elevado. Ai surgiu a separação entre a universidade acadêmica e as escolas técnicas. Há uma semelhança importante entre a cultura acadêmica francesa e a brasileira: aqui tivemos a mesma separação entre o estudo acadêmico e as escolas técnicas. Entretanto a longa tradição francesa de valorização do trabalho artesanal com os compagnons de corporações foi mantida. Inclusive há o reconhecimento do melhor artesão do ano (Meilleur Ouvrier de France – MOF1) em diversas profissões: entre as mais conhecidas podemos citar o caso do Melhor Chef da França concedido a Paul Bocuse em 1961
Uma grande diferença entre a cultura na Europa e nos USA está na conceituação do fator humano. No meio científico americano e cultura profissional, o fator humano é frequentemente associado à ideia de erros humanos, o que leva a tentativas sistemáticas de reduzir seu peso ou presença em desempenho no trabalho. Na Europa o fator humano foi isolado de outro componente essencial do trabalho: a tarefa a ser cumprida. Centrar na tarefa é o cerne do enfoque Taylorista. Na Europa o fator humano tem sido associado a ideias de desenvoltura, inventividade e inteligência no trabalho, mesmo nos casos mais simples e básicos. O fator humano, assim, passou a ser conceituado como uma fonte de excelência e em decorrência um estímulo ao modelo de integração entre a academia e as empresas.
Um modelo de alternância utilizado na França é o seguinte (2):
- Fase de integração: o aprendiz trabalha um mês na operação com o objetivo pedagógico de compreender as condições reais de trabalho na indústria.
- Fase de definição do projeto: os próximos três períodos são dedicados a análise critica do sistema de produção em várias dimensões. A orientação escolar direciona o aprendiz para definir seu projeto segundo múltiplos critérios.
- Gerência do projeto: durante os próximos dois anos os aprendizes gerenciam seus projetos sob a supervisão do tutor empresarial. Neste período faz, também, relatórios para a avaliação acadêmica.
Durante os três anos deste programa de mestrado (master) o aprendiz é verificado quatro vezes pelo tutor empresarial com a supervisão das avaliações feita pelo tutor acadêmico. O tutor acadêmico precisa garantir que as situações de aprendizagem no ambiente de trabalho são compatíveis com os objetivos acadêmicos.
Fica evidente que este modelo precisa de uma cooperação bem estabelecida entre os parceiros industriais e acadêmicos. É preciso alocar tempo dos tutores e garantir a adesão dos mesmos aos objetivos da proposta de formação com alternância.
Bibliografia
(1) Filliettaz, Laurent and Billett, Stephen , [ed.]. Francophone Perspectives of Learning Through Work. Heidelberg : Springer, 2015. p. 378. Vol. 12. ISSN 2210-5549.
(2) Veillard, Laurent. University-Corporate Partnerships for Designing Worplace Curriculum: Alternance Training Coure in Terciary Education. [ed.] L Filliettaz and S Billet. Francophonr Perspective of Learning Through Work. s.l. : Springer, 2015, 13, pp. 257-277.
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[1] https://www.meilleursouvriersdefrance.info/accueil.html
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