Em um outro post, quando escrevia sobre o planejamento de publicações, comentei que o assunto tenure seria tratado futuramente. Com o aumento da pressão na avaliação institucional para o aumento do número de publicações – a publicação em bons veículos é essencial para uma nota boa da CAPES para um programa de pós-graduação – achei que este é um tópico quente. Vamos enfrentar, então, o assunto!
No quadro onde foi feita a análise do perfil de publicações dos pesquisadores havia uma célula na matriz de carga horária didática onde eu caracterizava os professores com carga de até 12 horas letivas por semana como trabalhando em uma Universidade de Pesquisa. Do ponto de vista institucional normalmente na avaliação dos professores há uma parcela significativa correspondente à produção bibliográfica. Citava, além disto, que: “Nos USA esta produção é essencial para a obtenção de tenure“, necessária mas não suficiente! Neste caso incluem-se no Brasil os professores vinculados, essencialmente, a programas de doutorado e a programas de mestrado que pretendam implantar um doutorado.
Aqui surge o conceito de tenure. Esta palavra não costuma ser pronunciada nas terras tupiniquins. A tenure está intimamente ligada à produção acadêmica. É uma forma de estimular uma produção de pesquisa qualificada tanto em quantidade quanto em qualidade. É o oposto do nosso modelo de progressão continua até titular! Para começarmos a discussão vamos procurar a definição desta palavra que pode ser encontrada na WordNet:
ten·ure
n 1: the term during which some position is held [syn: term of office, incumbency] 2: the right to hold property; part of an ancient hierarchical system of holding lands [syn: land tenure] v : give life-time employment to; as of university posts; "She was tenured after she published her book"
Source: WordNet (r) 1.7
A última interpretação é a que nos interessa: a situação de um professor de manter sua posição sem renovações periódicas de contrato e sem poder ser demitido a menos que isto ocorra com justa causa. Mas qual é a justificativa para este estatuto? Vou descrever no que se constitui a justificativa da tenure e os resultados esperados.
Descrição da tenure
A tenure acadêmica tem por objetivo fundamental garantir o direito à liberdade acadêmica. A tenure permite que professores e pesquisadores tenham opiniões diferentes das geralmente aceitas e que discordem – academicamente – de autoridades. Esta instituição é similar a que gozam os magistrados pois eles, também, devem ser protegidos de influências externas em seus julgamentos. Esta estabilidade permite a busca de novas soluções mesmo quando estas alternativas de pensamento não estejam alinhadas com o pensamento geral. A liberdade é condição essencial para o desenvolvimento de novas idéias. Um exemplo bem conhecido deste fato foi o Renascimento, resultado – entre outras fatores – da liberdade de pensamento ao término da Idade Média com a difusão para maiores setores da população dos livros clássicos.
Por outro lado a tenure tem uma justificativa econômica, pois é um benefício trabalhista que permite o pagamento de um salário menor pois esta estabilidade no trabalho tem um valor econômico. Além disto um professor ou pesquisador que tem a perspectiva de manter-se na Instituição por um longo período estará mais inclinado a dedicar um esforço intenso na melhoria da qualidade da sua Universidade inclusive estimulando o aperfeiçoamento de jovens que, sem a tenure poderiam ser ameaças a sua posição. Para os jovens a possibilidade de obter uma posição com tenure é um forte estímulo ao aumento da produção e será um estímulo para a criação de um ambiente de competitividade em direção à excelência acadêmica. O resultado é o que já relatei em crônica anterior:
“Na UCLA as bibliotecas ficam abertas 24/24 e – como me comentou num amigo que doutorou-se naquela Universidade, nas noites se encontram por lá os doutorandos e os professores assistentes em busca de uma tenure; na expressão local “burning the midnight oil”.
O parágrafo acima mostra o ambiente existente em Universidades competitivas de pesquisa. A seguir,este trecho, ligeiramente editado, da mesma crônica apresenta o tratamento, completamente diferenciado, que as Universidades norte-americanas dão à contratação de professores e pesquisadores em relação a grande maioria das Universidades da América Latina.
“Pergunto: quantos professores são convidados para trabalhar em uma Universidade brasileira com a oferta de melhores condições de trabalho ou de melhores salários para criar ou desenvolver um grupo de alta qualidade? Costumamos empregar professores e pesquisadores de alto nível pelos desafios e pela qualidade das Universidades? … Estamos acostumados com a competição de livre-mercado no caso dos jogadores de futebol mas não para professores, é a indicação clara do que é importante para o país. Queremos professores de alto nível e projetos competitivos internacionalmente ou alunos treinados em produtos comerciais?“
A justificativa econômica, citada acima, só funciona se o produto vendido pela Universidade é a qualidade. O conceito de tenure é grandemente difundido nas Universidades dos USA que buscam world-class reputation.
Atualmente uma forte tendência ao mercantilismo educacional tem procurado desmontar esta estrutura, considerando que os professores são apenas mão de obra que devem ser pagos com o valor mínimo que garanta uma maior rentabilidade do negócio. Muitas Universidades nos USA estão aproveitando a grande oferta de pós-graduados para reduzir seus comprometimentos com a instituição do tenure implantando esquemas de somente-ensino. Aqui no Brasil tem ocorrido uma “caça aos doutores” ao inverso, pois muitas Universidades e Centros Universitários estão despedindo o pessoal com maior titulação para contratar “mão de obra” mais barata. Com o aumento do número de egressos dos cursos de pós-graduação e com a pouca absorção deste pessoal pela indústria criou-se um pool de professores que podem ser contratados com custos menores – caracterizando a situação em que o objetivo da Universidade não é o de desenvolver uma world-class reputation. Isto me faz voltar ao tema da qualidade: Universidade de pesquisa é qualidade. Um bom exemplo de qualidade é o Indian Institute of Technology – Bombay, onde há uma enorme competitividade na entrada, acho que entre 200 a 300 candidatos por vaga. Coisa digna de estudo é o esforço e as muitas privações adotadas pela famílias para conseguir mandar um aluno para o IIT. Qual o motivo? O futuro assegurado por um prestigioso título e pela competência atingida. Olhem este trecho da Wikipedia:
“Since 1953, nearly twenty-five thousand IITians have settled in the USA“.
E qual é a situação no Brasil? A seguir listo alguns comentários esparsos. Certamente este assunto merece muita reflexão e discussão antes de chegarmos a um modelo aceitável pela grande maioria da comunidade acadêmica.
- No Brasil observamos que a maior parte da produção científica está concentrada nas Universidades Públicas, em meu ponto de vista isto deve-se a existência da estabilidade de contrato nestas Universidades e à carga adequada de ensino.
- A população brasileira precisa mudar a sua ótica de avliar as Universidades, o que vende é qualidade, competência e competitividade – ver o IIT. As famílias devem pensar que é melhor investir em educação de qualidade do que cultivas hábitos de consumo e de desperdício. Quando esta cultura tiver sido implantada teremos possibilidade de uma real inserção no mundo industrial e de alta tecnologia, quem sabe se até teremos alguns prêmios Nobel ao lados dos nossos Campeonatos Mundiais de Futebol.
- É preciso que as Universidades optem por um dos três modelos: de pesquisa, de ensino ou tecnológicas. Se adotarem o modelo de pesquisa devem, necessariamente, enfrentar a necessidade de estabilidade e contratos de longo prazo para os professores e pesquisadores. Deve-se salientar que nem todos os cursos ou áreas de uma Universidade precisam seguir o mesmo modelo. É possível ter alguns setores dedicados a obtenção de uma world-class scientific reputation enquanto outros seguem o modelo de ensino ou tecnológico.
- As Universidades devem ser mais competitivas, a exemplo das norte-americanas, procurando atrair os melhores pesquisadores com ofertas salariais e de condições de pesquisa ou de ambiente de trabalho. Neste caso a tenure permite uma redução dos custos em função da estabilidade no emprego.
- Talvez uma possibilidade de ser estimulada esta estabilidade ou tenure seja a associação obrigatória da concessão de projetos de pesquisa com recursos governamentais ou com renúncias fiscais à estabilidade dos pesquisadores, ao menos, durante o tempo de execução do projeto ou, melhor ainda, com o duplo deste tempo. Aliás, isto já acontece com os representantes sindicais, será que a pesquisa não é tão ou mais importante para o país do que a (justa) defesa dos direitos trabalhistas?
- Nas Universidades Públicas, onde a estabilidade é regra geral, é necessária uma reformulação com o aumento significativo no rigor das condições de obtenção da estabilidade, atualmente têm-se apenas um estágio probatório para evitar a estabilidade de pessoas explicitamente desequilibradas ou incompetentes.
- Seria interessante que existissem carreiras separadas – uma com possibilidade de tenure para os professores e pesquisadores que formassem o núcleo central destas instituições e outra, flexível, para permitir a adaptação às variações da demanda de ensino. Esta segunda carreira não colocaria os professores sob a pressão de obtenção da tenure mas não ofereceria, também a estabilidade. É uma opção de cada um escolher a que mais lhe convém. A quantidade de professores estressados pela obrigação de um alto nível de produtividade em pesquisa demonstra que muitos estariam mais satisfeitos em uma carreira que não fosse centrada na pesquisa.
Finalmente pode-se resumir todo o assunto em uma palavra qualidade! O Brasil precisa mudar o foco de sua admiração, de admirar salafrários ricos – é só ler a crônica policial ou política atual – e passar a admirar pessoas competentes e que realmente auxiliem o desenvolvimento nacional. Isto passa por todas as áreas da sociedade e tem reflexos na forma em que a sociedade vê as Universidades.
Para concluir – mesmo – duas tabelas radicais!
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É possível associar qualidade com diversão! Mas parece que o Brasil prefere investir no futebol mais do que nas Universidades… atualmente nem isso.