Trabalho e Inteligência Artificial

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Na evolução da Humanidade os ciclos se repetem, certamente com variações, mas com o mesmo padrão. Hoje a Inteligência Artificial (IA) e uma das suas realizações, o ChatGPT, está criando um debate de grande intensidade sobre o impacto desta tecnologia na vida e no trabalho. Será algo realmente novo ligado ao trabalho humano?  Estamos passando por um novo ciclo na evolução do trabalho? Este texto procura realizar um estudo, com base em fatos históricos, sobre este processo.

Por volta do ano de 1811 surgiu o movimento ludista [1] na Inglaterra, que identifica nas máquinas a fonte dos problemas sociais. O movimento se expandiu e a destruição de máquinas passou a ser punido com a pena de morte. O movimento dá origem a uma polêmica sobre origem da situação social dos operários: e o problema estará nas máquinas, ou nas condições sociais em que essas são usadas?

The Luddite disturbances took place in the counties of Nottinghamshire, Lancashire, Cheshire, Derbyshire, Leicestershire and Yorkshire during the period 1811-13. Led by a fictional leader called ‘Ned Ludd’, the Luddites attacked new machinery and mills in an attempt to maintain the price (money) paid to them as textile workers and control over their work practices (The National Archives 2009).

Os distúrbios luditas ocorreram nos condados de Nottinghamshire, Lancashire, Cheshire, Derbyshire, Leicestershire e Yorkshire durante o período de 1811-13. Liderados por um líder fictício chamado ‘Ned Ludd’, os luditas atacaram novas máquinas e fábricas na tentativa de manter o valor pago a eles e controlar suas práticas de trabalho.

Os trabalhadores da seda de Lyon, conhecidos como canuts [2], encenaram dois grandes levantes: em 1831 e 1834. O estabelecimento do tear Jacquard marcou o surgimento de uma cultura de admiração dos sistemas mecânicos complexos. Por outro lado a introdução destes teares mecânicos foi a origem das extenuantes jornadas de trabalho vigentes durante esse período. A estas revoltas está associado o termo sabotagem que às vezes é interpretado como sendo a ação dos trabalhadores jogando seus sapatos de madeira, chamados tamancos ou de sabots em francês, nas máquinas para quebrá-las. Entretanto a etimologia traz outro significado à palavra significa literalmente “andar ruidosamente” devido ao uso dos tamancos (Littré 1873-1874). Originalmente, isso era usado metaforicamente para se referir às manifestações trabalhistas muito ruidosas. A ideia de considerar injustas as condições sociais, que atingiam grandes populações, como ligada aos direitos individuais surgiu neste período. A liga dos justos [3], uma sociedade da época, inovou ao incorporar à luta social a ideia de justiça.

  • O problema foi à substituição do trabalho manual humano pelas máquinas. Primeira extinção em massa de trabalho.

Passemos para a próxima crise. A demissão em massa de telefonistas pelas centrais telefônicas automáticas foi um evento que teve um grande impacto na sociedade e na economia a partir da década de 1960. Antes do advento das centrais telefônicas automáticas, as chamadas telefônicas eram atendidas por telefonistas que, manualmente, conectavam as chamadas dos clientes. Esse trabalho era geralmente realizado por mulheres, que eram treinadas em habilidades técnicas e de comunicação para executar suas tarefas com eficiência. No entanto, com o avanço da tecnologia, as centrais telefônicas automáticas foram desenvolvidas e implantadas em larga escala. Essas centrais substituíram o trabalho das telefonistas por sistemas automatizados, que podiam gerenciar as chamadas de maneira mais eficiente e a um custo muito menor. Como resultado, muitas empresas de telefonia começaram a demitir suas telefonistas, gerando uma crise social e econômica. Muitas dessas mulheres haviam trabalhado como telefonistas por anos e não tinham habilidades alternativas para conseguir outro emprego. Ao mesmo tempo, a implantação de centrais telefônicas automáticas permitiu uma maior eficiência e capacidade de lidar com um volume maior de chamadas, além de ter reduzido significativamente o custo do serviço telefônico. Isso teve um impacto positivo na economia e nas empresas de telefonia, que puderam reduzir seus custos operacionais.

É verdade que certas profissões que envolvem tarefas rotineiras e repetitivas, como contadores e trabalhadores da indústria de manufatura, são mais suscetíveis à automação. Isso ocorre porque as máquinas inteligentes podem realizar essas tarefas de maneira mais rápida, precisa e econômica do que os seres humanos. Por outro lado, profissões que exigem habilidades sociais e emocionais, criatividade e resolução de problemas complexos, como jornalistas, escritores e designers, são menos propensas à automação, pois requerem habilidades que as máquinas desta fase e época não podiam replicar com facilidade.

  • O problema foi à substituição do trabalho técnico e de comunicação humano pelas máquinas, foi um nível acima do problema anterior. Atingiu muitas profissões que necessitavam, não mais o esforço físico, mas o trabalho especializado humano. Segunda extinção em massa de trabalho.

O economista austríaco Schumpeter, nomeou de “destruição criativa” esse processo inevitável que faz com que a criação de algo novo seja acompanhada da destruição do que havia anteriormente. Isso é aplicado a produtos, a profissões, a modos de vida em geral. Essa é uma observação interessante, que reflete as consequências que a automação e a crescente adoção de tecnologias inteligentes em muitos setores da economia estão causando. Como a tecnologia continua avançando rapidamente, muitos cargos que eram anteriormente realizados por seres humanos agora podem ser desempenhados por máquinas automatizadas. Acabo de ver a referência a um estudo que mostra as profissões que podem ser duramente afetadas pela IA e pelo sistema ChatGPT e seus similares. Os profissionais mencionados no estudo, matemáticos, contadores, escritores, designers e jornalistas, são especialmente vulneráveis ​​à automação, pois seus trabalhos envolvem uma grande quantidade de processamento de informações e análises complexas, que podem ser realizadas com maior rapidez e precisão por algoritmos e sistemas automatizados.

  • Chegamos, então, à terceira experiência de extinção em massa: agora do trabalho intelectual. É a eterna repetição da história, desta vez atingindo profissões consideradas humanas.

O que resta? Certamente a Filosofia, as atividades que necessitam de intuição e capacidade de criação. Mas será que a próxima etapa da IA não vai incorporar a metodologia científica gerando correlações entre fatos e suas consequência e, após, verificando se a hipótese se aplica em outros casos?

Bibliografia

Littré, Émile. Dictionnaire de la langue française. 1873-1874. https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k54066991/f401.

The National Archives. 6 10 2009. https://webarchive.nationalarchives.gov.uk/ukgwa/+/https://www.nationalarchives.gov.uk/pathways/localhistory/gallery3/luddite.htm (accessed 03 12, 2023).

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[1] Ao longo do tempo, prevaleceu o entendimento do termo ‘ludismo’ como um movimento de reação ao progresso técnico – a industrialização, a mecanização, a automação e a novas tecnologias em geral.

[2] canut regionalismo, nome masculino, operário das fábricas de seda.

[3] A Liga dos Justos (Bund der Gerechten) foi um grupo de orientação socialista criado em 1836 em Paris por socialistas alemães no exílio.

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