A evolução da Humanidade deve-se a sua capacidade de transmitir informações de uma geração para a seguinte. Inicialmente isto era feito verbalmente, os mais antigos contando para os mais novos o que sabiam. Com o aumento da quantidade de conhecimento tornaram-se necessários outros meios de registro e transmissão do conhecimento. Surgiram as tábuas de barro da Babilônia, os papiros do Egito e os manuscritos medievais. Mas estes meios eram caros e de acesso limitado. Uma revolução tecnológica com a descoberta dos tipos móveis por Gutenberg e a possibilidade de imprimir muitas cópias de livros foi uma das causas do Renascimento. A partir da publicação dos livros, muito mais acessíveis do que os pergaminhos copiados à mão, os conhecimentos da antiguidade foram se espalhando e geraram um incrível desenvolvimento cultural. Estamos passando, 500 anos depois, por uma nova revolução na difusão do conhecimento, a publicação eletrônica na Web. Em paralelo a maior importância dos interesses econômicos sobre os sociais, a identificação do Estado com os grandes grupos levam a uma profunda distorção dos valores humanos e da liberdade de informação na publicação tradicional de livros e anais de conferências. Um exemplo deste fato é a atual discussão sobre o conceito de direto autoral. Este conceito foi criado para garantir o trabalho do autor e seu pagamento. Atualmente este o direito autoral está sendo totalmente deformado para proteger interesses de grandes grupos. Por exemplo, histórias recolhidas da tradição européia, como a Bela e a Fera, o Gato de Botas e a história medieval do Lobo Mau foram apropriadas, sem nenhum pagamento, e transformadas em produto intelectual. Neste momento cria-se uma discussão sobre direitos autorais (autorais?) de até 99 anos ou mais! O conhecimento que era público transforma-se em fonte inesgotável de lucro para o primeiro que se apropriar. O mesmo está se passando com o acervo cultural da humanidade, representado por quadros, fotos e outras produções, pouco a pouco privatizadas.
Felizmente a difusão da Internet e da Web está criando uma nova forma de acesso à informação. Não que a publicação na Web seja, por si só, a liberação dos conteúdos digitais, pois há empresas que estão comprando o acervo cultural da Humanidade para torná-lo apenas um produto comercial. Para o público que tem acesso a Web, a informação pode ser acessível diretamente, se o autor de uma obra assim o desejar. Isto quer dizer que o autor de um texto é ao mesmo tempo seu editor e distribuidor. Não há necessidade de revisão, de crítica ou censura. Por exemplo, escrevi e publiquei esta crônica sem necessidade de nenhum intermediário. Você que a está lendo não sofreu nenhum processo de filtragem; eu pensei, escrevi, publiquei e você está lendo sem intermediários. Isto é uma revolução só comparável com a invenção da imprensa, e acho que com um potencial de mudanças sociais muito maior e mais rápido.
A difusão do conhecimento tem uma característica pervasiva, isto é esta presente em todos os lugares, que pode aumentar a eficiência das atividades humanas. Pesquisadores percebem facilmente o grande aumento da produtividade com a possibilidade de acesso imediato a publicações científicas. Outras pessoas consultam o programa da televisão ou dos cinemas. Outros, ainda, planejam suas férias e fazem reservas diretamente. Estes sistemas são totalmente globais, pois não impõe qualquer limitação de lugar ou de tempo para o acesso às informações.
A liberdade de publicar é a libertação ou o caos?
Algumas conseqüências desta facilidade são potencialmente desastrosas, como a publicação de instruções médicas por pessoas sem formação. Outras são positivas, como o comportamento mais individual, crítico e independente das pessoas pois passam a ter acesso a uma ampla variedade de informações. Como foi salientado em um dos comentários sobre esta crônica, a filtragem é responsabilidade do leitor. Entretanto esta seleção feita pelos interessados requer uma experiência e capacidade muito desenvolvida de critica. Um dos grandes problemas que precisa ser enfrentado, e é a provocação deste texto, é: como garantir a qualidade ou a avaliação de todo o material disponível na Web sem tirar a sua característica de Publicação Livre? Uma forma para garantir a qualidade é a avaliação pelos leitores com a indicação de uma nota. Isto ocorre, por exemplo, na Amazon com as avaliações e críticas emitidas pelos dos clientes sobre os livros lidos. Meu ponto de vista é que há a necessidade de uma certificação pública e transparente da qualidade do material publicado. Isto deve ser feito sem órgãos oficiais, tal como é feito para a verificação e aperfeiçoamento do software livre. O reconhecimento da qualidade de publicações livres é um tema atual e essencial para que se consiga retornar ao ambiente criativo de liberdade de publicações científicas mas assegurando, ao mesmo tempo, um sistema de avaliação público e confiável.
Outro ponto a ser considerado é Como manter a viabilidade econômica e o financiamento dos autores neste novo cenário? Se por um lado é importante oferecer a maior quantidade possível de informação livremente na Web é preciso, também, considerar a forma de financiar esta publicação livre e de garantir a manutenção econômica dos autores. Este problema é semelhante, mais uma vez, ao que ocorre com o software livre.
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