Quando o Mérito Vira Métrica: Crônica de uma Universidade Exausta

postado em: Avaliação, Comportamento, Pesquisa | 0

A universidade que aprendemos a admirar na juventude já não se reconhece no espelho. O ambiente acadêmico, antes marcado pela curiosidade e pela vontade de pensar o mundo, tornou-se um espaço que cobra resultados numéricos com insistência. O professor, que ontem era lembrado pelo diálogo que despertava, hoje é avaliado pelo número de artigos produzidos, pelas citações acumuladas, pelos financiamentos obtidos. Uma boa aula já não conta tanto quanto um gráfico ascendente no currículo; formar pessoas vale menos do que alimentar plataformas.

Essa é a realidade mais dura: o valor do trabalho intelectual foi reduzido ao que pode ser medido. Quando a produção diminui, diminui também o reconhecimento. A expressão “Publicar ou Perecer” não é exagero retórico; ela descreve um cotidiano que exige ritmo constante, metas sucessivas, prazos que não cessam. Quem para para respirar arrisca desaparecer na competição. Para os pesquisadores mais jovens, essa lógica é ainda mais severa: não produzir significa ficar à margem.

Paralelamente, a gestão universitária se expandiu de forma notável. Crescem os setores burocráticos, as exigências de relatórios, prestações de contas, regulamentações. Cada projeto, cada atividade, cada passo precisam ser descritos, justificados, registrados. O tempo dedicado a explicar o que se pretende fazer muitas vezes supera o tempo realmente dedicado a fazer. O ensino e a pesquisa, que deveriam ocupar o centro, disputam espaço com tarefas administrativas que se multiplicam.

A exigência de “impacto social” segue a mesma linha. Em princípio, é uma ideia importante: pesquisa que dialoga com a sociedade, que contribui com problemas reais. Na prática, porém, não raramente torna-se um requisito formal, cumprido por discursos prontos. Projetos relevantes precisam agora vir acompanhados de justificativas convincentes, mesmo quando o verdadeiro motivo, a curiosidade ou o interesse intelectual, seria suficiente. A preocupação passa a ser atender a critérios externos, mais do que perseguir perguntas significativas.

Nesse cenário, muitos docentes e pesquisadores trabalham com vínculos frágeis, temporários, com pouca garantia de continuidade. A precarização não é exceção, mas parte do funcionamento. São esses profissionais que assumem grande parte das aulas, orientações e projetos, mesmo sem a estabilidade ou o reconhecimento que merecem. Sem eles, o sistema não se sustenta, ainda que raramente sejam lembrados.

O resultado é um clima de cansaço amplo, perceptível nas conversas rápidas de corredor e nos desabafos discretos. Há crítica, mas raramente há ação. Todos sabem que o modelo atual tem falhas evidentes, que pressiona sem medida e dispersa energias que deveriam estar concentradas no conhecimento. Ainda assim, seguimos porque parar parece arriscado demais.

A universidade continua, mas carrega um peso que não precisaria existir. Talvez ainda seja possível recuperar parte da leveza e da liberdade de pensar que um dia a definiram. Mas, para isso, será necessário mais do que reconhecer o problema; será preciso ter coragem de enfrentar o que se tornou rotina. Hoje, seguimos resistindo como podemos, esperando que a reflexão volte a valer tanto quanto os números que insistem em nos medir.

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