“O uso da Internet deve guiar-se pelos princípios de liberdade de expressão, de privacidade do indivíduo e de respeito aos direitos humanos, reconhecendo-os como fundamentais para a preservação de uma sociedade justa e democrática”.
Resolução CGI.br/RES/2009/003/P
O conceito fundamental para a Academia tem sido a liberdade de expressão e de cátedra. Sem liberdade o progresso científico e acadêmico é muito lento ou quase impossível. A pesquisa caracterizou-se historicamente como uma atividade livre. Os pesquisadores procuram divulgar, tanto quanto possível, suas descobertas para receberem os méritos acadêmicos. No passado o resultado das pesquisas era considerado, na maior parte dos casos, como um bem comum da humanidade. Esta visão sempre teve limitações, algumas trágicas como o assassinato de arquitetos de tumbas egípcias, logo após a conclusão das mesmas, para que o conhecimento do segredo de sua construção não se difundisse. Invenções ligadas à guerra, também, sempre foram restritas. A pesquisa mais ampla, tradicionalmente foi considerada pública. Atualmente, muitas vezes uma equipe ou pesquisador mantém um período de silêncio e discrição até que os resultados estejam suficientemente “maduros” para a publicação. Outros passam a considerar estes resultados como “produtos comerciais” e nada divulgam de essencial para garantir seus lucros futuros. Este problema da liberdade da pesquisa e das publicações livres tem sido tema de muitas de minhas Crônicas.
A abertura na publicação dos resultados é uma consequência direta do método científico que consiste em criar uma hipótese, validá-la ou negá-la por prova experimental, tirar as conclusões e divulgar os resultados bem como os detalhes das experiências. Isto é essencial para que outros pesquisadores possam verifica a correção do trabalho. Esta abertura é parte essencial da ciência. A liberdade de divulgação da pesquisa permite que sejam descobertos erros, que novas ideias sejam criadas e que a velocidade de obtenção dos resultados seja multiplicada. Outra característica é o estímulo à fertilização cruzada de ideias com a aplicação dos resultados em campos correlacionados. Isto ocorre, por exemplo, com a aplicação de resultados de física em problemas econômicos.
Vou citar dois exemplos onde a perda da liberdade causou ou causa efeitos muito negativos na pesquisa. O “Caso Lisenko”: quando, em 1948, Stalin – apoiado pelo ministro da Agricultura Lisenko – declarou as teorias da hereditariedade de Mendel como burguesas e banidas da URSS, décadas depois a agricultura soviética sofre as consequências. O segundo é atual quando correntes religiosas nos USA tentam forçar restrições às pesquisas em células tronco. Os dois casos evidenciam que a falta de liberdade trás resultados negativos.
O que é essencial para a pesquisa, a liberdade de publicar seus pensamentos e hipóteses, também o é para a Imprensa. O item 7. Inimputabilidade da rede diz:
“O combate a ilícitos na rede deve atingir os responsáveis finais e não os meios de acesso e transporte, sempre preservando os princípios maiores de defesa da liberdade, da privacidade e do respeito aos direitos humanos”.
Deixa claro que a censura prévia, impedindo o funcionamento da Web, é inaceitável. Não é o meio de comunicação o responsável, mas seus agentes podem ser responsabilizados, se for o caso. O bloqueio dos canais de comunicação é a ferramenta mais importante para os regimes que não querem a discussão pública de seus atos. Isto pode ocorrer para manter ditaduras ou para acobertar a corrupção. A “Primavera Árabe” demonstrou o poder de meios de comunicação social.
Há algum tempo escrevi uma crônica denominada: “Estamos sendo olhados!”. Precisamos saber que somos referenciados na Internet, quer pública ou privada, dezenas de vezes todos os dias. Nossas mensagens para as listas de discussão são públicas, o mesmo se passa nos Blogs. Cada transação bancária, passagem por pedágios, compras são registradas. Se você tem perfis em máquinas de busca cada acesso à Web está registrado em sua conta. Aqui surge o problema de privacidade e de censura. Mas o que é evidente é que, cada vez mais, nossos atos e posições serão mais públicos. A única forma de termos paz, daqui para frente, é sermos coerentes em nossas posições e ações, a fraude e a mistificação são logo descobertas, o crime também.
Na área acadêmica um ótimo exemplo de publicitação foi a implantação do Currículo Lattes pelo CNPq. No início muitos reclamaram sobre a necessidade de tornar sua vida acadêmica pública, parecia uma defesa de privacidade, mas realmente o que estavam defendendo era a possibilidade de enganarem a comunidade com uma fama de “notório saber” não comprovada por fatos reais como publicações, participações em comitês de eventos científicos, orientações entre outras atividades.
Quando Orwell escreveu o famoso livro “1984” e criou o Big Brother (O Grande Irmão), no ano de 1949, certamente não fazia a menor ideia do conceito de complexidade de algoritmos. O Big Brother é um perigo, são os governos ou corporações invadindo a vida pessoal e podendo interferir ou chantagear pessoas para que aceitem suas decisões. Por outro lado eu gosto do Pequeno Irmão, o Small Brother. Quem é ele? O acesso à informação aplicado à Web gera o Pequeno Irmão, se todos tiverem acesso às informações cada um pode verificar se o que é de meu conhecimento está corretamente representado, todos juntos podemos muito. Corrupção pode ser detectada, promessas políticas mirabolantes desfeitas, casos de desrespeito a direitos humanos denunciados por uma rede distribuída de usuários.
A Wikipedia consegue toda a qualidade que conhecemos por este trabalho social de cooperação e de mútua correção. O Pequeno Irmão pode fazer muito mais. Acho que os maiores defensores exagerados da privacidade, como os que eram contra o CV Lattes, e de uma pseudo-liberdade de fazer tudo sem uma avaliação externa estão defendendo interesses escusos. Eu utilizei muito o site da Transparência Brasil para me orientar nas últimas eleições e vou continuar usando aquelas informações. Atualmente a Folha de São Paulo abriu um canal para o envio de denúncias sobre fatos que possam gerar atividades de jornalismo investigativo. Este é o real controle social da informação e não a censura governamental.
Como conclusão: a liberdade de publicação na Web e um acompanhamento social são essenciais para o avanço do conhecimento e da pesquisa. Por outro lado a privacidade deve ser garantida para preservar os direitos de proteção da vida pessoal, mas não pode ser utilizada para silenciar a liberdade de imprensa.
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