The Slow Science

postado em: Comportamento, Pesquisa | 0

 

SnailCom a publicação do manifesto por uma Slow Science me lembrei de duas crônicas que publiquei em janeiro de 2007 já com esta preocupação. Resolvi, então, reeditar com ampliação de conteúdo os trechos ligados a atual velocidade da pesquisa ou das publicações.

A doença da pressa ou síndrome da pressa é uma doença psicológica causada principalmente pelo ritmo frenético em que a sociedade moderna se submete nas zonas urbanas e no trabalho. A síndrome não tem reconhecimento médico nem psicológico factível, mas é estudada desde a década de 1980. O aumento excessivo de ansiedade é o principal fator que causa a síndrome da pressa. Doença da pressa – WikipédiaNossa vida não é mais vida é uma corrida sem fim para um lugar incerto, a única certeza é que a morte nos espera no fim do caminho. Será que a Qualidade é resultado desta corrida desenfreada? Será que o melhor que existe no mundo é o fast-food macdonaldiano ou será que um slow-food não é muito melhor? Será que a qualidade consiste em publicar inúmeras variações sobre um mesmo tema ou consiste em elaborar um trabalho denso e criativo? Um exemplo é o trabalho de toda uma vida que permitiu a redação do clássico livro O Senhor dos Anéis, de Tolkien. Hoje criar todo aquele ambiente e línguas seria considerado um absurdo de perda de tempo.  

Um trecho do Manifesto por uma Slow Science diz:

Slow science was pretty much the only science conceivable for hundreds of years; today, we argue, it deserves revival and needs protection. Society should give scientists the time they need, but more importantly, scientists must take their time.

We do need time to think. We do need time to digest. We do need time to mis­understand each other, especially when fostering lost dialogue between humanities and natural sciences. We cannot continuously tell you what our science means; what it will be good for; because we simply don’t know yet. Science needs time.

Parece que a mania dos nossos vizinhos do norte de competir numericamente em qualquer coisa está criando situações bizarras ou de real loucura. Notem que sou um defensor ferrenho da qualidade na academia, nas universidades o critério único deveria ser a meritocracia. Sempre tenho escrito e defendido a qualidade do trabalho de pesquisa e acho, que nas universidades de pesquisa, a publicação é a forma principal  de avaliação externa da qualidade. O problema é “como avaliar a qualidade”? A forma tradicional é pelo número de citações a uma determinada publicação. O “academic reward system” ou sistema de reconhecimento da qualidade do trabalho de pesquisa utilizado pela comunidade acadêmica baseia-se, além do bom processo de revisão pelos pares, na qualidade dos meios em que um pesquisador consegue publicar seus artigos. A suposição é que considerado o número de citações a estes trabalhos realizadas por outros pesquisadores teremos um bom indicador da importância de um trabalho. Estes elementos estão correlacionados e definem o fator de impacto de uma publicação. Aqui aparecem dois graves problemas: a obtenção destes fatores e a suposição que a popularidade (número de citações) é indicador de qualidade.

Por outro lado o segundo problema: popularidade x qualidade é de solução muito mais difícil. É claro que os dois problemas estão interligados, todos nós conhecemos produtos inúteis ou de qualidade alimentícia deplorável que são top de popularidade, o mesmo acontece com autores – alguns deles em Academias de Letras – o marketing faz maravilhas. Um artigo, de Reinaldo Guimarães, publicado no JC e-mail 3169 de 22 de Dezembro de 2006 com o título “Qualidade, impacto e citação” nos obriga a uma meditação profunda, seu último parágrafo é chocante:

A revista Science publicou (22/12/06) aquela que, na opinião de seus editores, foi considerada a pesquisa do ano de 2006 – a solução da Conjectura de Poincaré pelo matemático russo Grigori Perelman. Pelo critério do “impacto”, Perelman e sua pesquisa não existem. Autor e obra são ausentes na base ISI. Parodiando os advogados, “fora do ISI, fora do mundo”.

Estou tratando este problema com uma série de projetos de pesquisa para a avaliação da qualidade de conferências e de pesquisadores por meio de critérios múltiplos e com dados obtidos da Web. A minha hipótese de pesquisa (aqui em estilo muito informal)  é que “é possível enganar poucos por muito tempo, muitos por pouco tempo mas é impossível enganar todos por todo o tempo”. Assim deve ser possível coletar muitos dados e, por meio de Inteligência Competitiva,  conseguir uma avaliação consistente de um pesquisador. Precisamos redefinir profundamente o que consideramos qualidade. No fundo isto é o que desejaríamos que funcionasse, uma avaliação de toda uma vida com critérios holísticos. Quantidade e pressa desvairada não são indicadores de qualidade. Um trabalho consistente, com duração compatível com a idade do pesquisador, os resultados de suas pesquisas e orientações são indicadores de avaliação muito melhores do que um índice comercial de impacto.

O artigo publicado pela Agência FAPESP com uma entrevista do pesquisador norte-americano Philip Portoghese, da Universidade de Minnesota:

“… um dos mais conhecidos especialistas em química medicinal no mundo, considera que a principal tarefa do pesquisador acadêmico não é desenvolver produtos, mas criar novos conceitos. Ele disse na entrevista: “Nosso objetivo maior hoje, na universidade, não é descobrir medicamentos, mas desenvolver novas abordagens e conceitos para a produção de fármacos. Precisamos aproveitar aquilo que temos e que falta aos pesquisadores das empresas. A academia tem tempo para pensar e este é seu trabalho”.

Vou discutir aquilo que entendo deva ser uma Universidade no significado essencial da palavra:

A university is an institution of higher education and research, which grants academic degrees at all levels (bachelor, master, and doctorate) in a variety of subjects. A university provides both tertiary and quaternary education. The word university is derived from the Latin Universitas Magistrorum et Scholarium, roughly meaning “community of masters and scholars”. Wikipedia

Então uma Universidade deveria ser o ponto de encontro de Mestres e Pensadores. A Universidade foi, desde sua criação, um local de pensamento, de tempo para a análise crítica, para o desenvolvimento de novos conceitos. Não é por acaso que as ditaduras sempre atacam as universidades seja pelo seu fechamento, seja pela instituição de comissários políticos, ou encarregados da “segurança interna”. Em um ambiente de liberdade há espaço para novas ideias e para a abertura de novos horizontes, este é o modelo de Universidade Humboldtiana, a Alemanha criou este modelo nos 18s e obteve, no início do século XX, uma das maiores concentrações de Prêmios Nobel. Este trecho é essencial para a compreensão do que seja uma Universidade:

“A fundação da universidade de Berlim por Humboldt foi uma success story. O seu modelo foi rapidamente adotado em toda a Alemanha, e, mais tarde, viria a exercer uma influência decisiva na concepção das grandes universidades norte-americanas, como Harvard ou Yale – que são, na sua essência, coisa que muita gente ignora, universidades Humboldtianas.O princípio central da ideia Humboldtiana de universidade é a famosa “unidade indissolúvel do ensino e da investigação”. Isto significa que a matéria a ensinar é, idealmente, um saber adquirido em primeira mão pelo docente na qualidade de investigador. Uma tal ideia tem óbvias implicações práticas ao nível dos calendários escolares e horários, ou seja da gestão do tempo consagrado ao ensino e à investigação. Só o docente que tiver tempo para investigar, e para se informar do state of the art na sua área, poderá desenvolver um ensino de caráter verdadeiramente universitário. Dois outros princípios importantes deste modelo de universidade são o da liberdade do ensino e da aprendizagem e o da necessária maturidade e autonomia do estudante universitário. O primeiro diz respeito não apenas à liberdade do docente e investigador na escolha das matérias em que se especializa, mas igualmente à liberdade de escolha, pelo estudante, do seu próprio percurso de aprendizagem, o que implica, na prática, a existência de disciplinas de opção livre e um sistema de major e minor.” urbi et orbi, José Manuel Boavida Santos

Domenico De Massi trata da criação de novas alternativas, livres das limitações da materialidade da descoberta. No capítulo nove de seu livro Criatividade escreve De Massi:

“… A descoberta é limitada por alguns vínculos : … . Já a invenção, pelo contrário, pode prosseguir por infinitas direções, pode abrir infinitos campos e pode seguir infinitos caminhos: tanto os objetivos quanto os itinerários são ilimitados”.

No “Prólogo ao teatro” que abre o Fausto, Goethe sintetizou as implicações que esta dualidade acarreta, ao opor o poeta e sua recusa a toda concessão mundana da poesia, ao diretor e ao bufo, um e outro atentos às expectativas do público — mencionado aqui, significativamente, como die Masse.

As citações acima abordam o mesmo problema: o imediatismo versus o permanente, a corrida pelo dia a dia contra o pensamento buscando o estável, a descoberta de coisas práticas contra a análise embasada e consistente que vai perdurar. Trazendo isto para nossa vida de professores encontramos a pergunta de final de ano:

  • “Pensai: que Universidades queremos?”. Estamos frente ao mesmo dilema apresentado em Fausto: ou uma Universidade para o público atual e para os interesses comerciais atuais “O que brilha nasceu para o instante” ou uma Universidade para abrir horizontes “O genuíno permanece eterno no mundo-adiante”.

Está na hora de mudarmos a visão de mercado e de enfrentarmos a realidade de que propagandas “Faça Direito por R$ 99,90 por mês”, será que é possível fazer direito (desculpem o trocadilho) por R$ 99,90 por mês?. Isto não é solução, é preciso oferecer cursos técnicos com proposta pedagógica adequada, curtos e para a inserção direta no mercado. Do ponto de vista social é essencial que as pessoas com capacidade intelectual e vontade de seguir a carreira de pesquisa tenham esta alternativa, diretamente, sem que sejam limitadas pelas suas condições socioeconômicas; uma Educação Pública de qualidade é essencial para este fim.

Esta é a minha visão sobre o assunto: diferentes modelos de Universidade: uma a Universidade Humboldtiana dedicada à formação de quadros científicos, de pesquisadores e de professores de alto nível, a outra uma Universidade Tecnológica, dedicada a formação de profissionais para atuar diretamente no mercado tudo isto complementado por cursos de formação técnica. O terceiro componente é o empreendedorismo, que não se ensina mas que é uma qualidade inata que pode ser estimulada e apoiada par estruturas paralelas à Universidade ou por um curso mais longo que os atuais incluindo componentes de Administração.

Desta análise saiu o título desta crônica: Precisamos ter Universidades Hulboldtianas para que o Brasil gere pensamento novo e competitivo, hoje pensamento novo é pesquisa de ponta, não há mais pesquisa local o mercado é mundial. Para estas Universidades é preciso tempo para pensar, como mostrei com as citações acima. Outra vertente de mercado é o ensino vocacional, apesar de ambos serem necessários não é possível usar os mesmos critérios de avaliação para ambos. Por outro lado não é possível ter todas as Universidades no modelo ensino-pesquisa por absoluta falta de recursos, tanto humanos quanto financeiros. Felizmente o Governo Federal decidiu que precisamos ter algumas Universidades de Qualidade Mundial, vejamos como prossegue o assunto.