Revoltado ou Criativo e a IA

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Esta pequena história mostra o quanto é limitada a nossa capacidade de conviver com a criatividade. Na parte inicial escrevo algumas considerações sobre a Inteligência Artificial e a avaliação na educação. Após apresento o estudo de caso para mostrar as dificuldades em aceitar alternativas em um processo de avaliação.
A autoria desse caso é desconhecida e aqui fiz uma tradução da versão em francês.


A inteligência artificial (IA) introduziu desafios inesperados no campo da educação, especialmente no que se refere à avaliação da criatividade. Esse episódio, relatado a seguir, reflete um dilema mais amplo sobre como a criatividade é avaliada em um ambiente onde tanto professores quanto sistemas automatizados, como a IA, tendem a valorizar respostas “certas” e previsíveis. A IA, ao processar grandes volumes de dados e padrões estabelecidos, é capaz de identificar soluções corretas com base em algoritmos, mas luta para compreender a originalidade do raciocínio que se desvia do padrão. No caso desse aluno, a resposta poderia ter sido avaliada de forma mecânica como “errada”, mas a criatividade por trás de sua contestação levantava uma questão importante: até que ponto estamos dispostos a valorizar o pensamento divergente?

Assim, a crescente dependência da IA para avaliar provas, ou mesmo fornecer feedback em atividades criativas, pode obscurecer o julgamento humano em identificar o que vai além do convencional. Afinal, a criatividade, por definição, rompe com as regras estabelecidas, e sistemas que funcionam com base em algoritmos podem falhar em reconhecer a originalidade que não segue padrões previsíveis. Isso cria uma tensão no ambiente acadêmico, onde tanto alunos quanto professores precisam aprender a navegar entre o rigor das respostas corretas e o espaço necessário para o pensamento inovador.

Em última análise, a inteligência artificial, embora útil em muitos aspectos, ainda precisa ser ajustada para lidar com questões que envolvem nuances, subjetividade e a essência do raciocínio criativo. A história desse aluno é um exemplo claro de como sistemas educacionais, ao se tornarem cada vez mais dependentes de avaliações mecanizadas, podem não reconhecer ou valorizar o pensamento criativo que desafia as coisas como são. Notem que o problema não é apenas da IA, mas que pode ser extremamente ampliado neste caso. 


Há algum tempo recebi um convite de um colega para servir de árbitro na revisão de uma prova. Tratava-se de avaliar uma questão de Física, que recebera nota ‘zero‘. O aluno contestava tal conceito, alegando que merecia nota máxima pela resposta, exceto se houvesse uma ‘conspiração do sistema‘ contra ele. Professor e aluno concordaram em submeter o problema a um juiz imparcial, e eu fui o escolhido.

Chegando à sala de meu colega, li a questão da prova, que dizia: ‘Mostrar como se pode determinar a altura de um edifício bem alto com o auxílio de um barômetro.’ A resposta do estudante foi a seguinte:

Leve o barômetro ao alto do edifício e amarre uma corda nele; baixe o barômetro até a calçada e em seguida levante, medindo o comprimento da corda; este comprimento será igual à altura do edifício.’

Sem dúvida era uma resposta interessante, e de alguma forma correta, pois satisfazia o enunciado. Por instantes vacilei quanto ao veredito. Recompondo-me rapidamente, disse ao estudante que ele tinha forte razão para ter nota máxima, já que havia respondido à questão completa e corretamente. Entretanto, se ele tirasse nota máxima, estaria caracterizada uma aprovação em um curso de Física, mas a resposta não confirmava isso. Sugeri então que fizesse outra tentativa para responder à questão. Não me surpreendi quando meu colega concordou, mas sim quando o estudante resolveu encarar aquilo que imaginei lhe seria um bom desafio. Segundo o acordo, ele teria seis minutos para responder à questão, isto após ter sido prevenido de que sua resposta deveria mostrar, necessariamente, algum conhecimento de Física.

Passados cinco minutos ele não havia escrito nada, apenas olhava pensativamente para o forro da sala. Perguntei-lhe então se desejava desistir, pois eu tinha um compromisso logo em seguida, e não tinha tempo a perder. Mais surpreso ainda fiquei quando o estudante anunciou que não havia desistido. Na realidade tinha muitas respostas, e estava justamente escolhendo a melhor. Desculpei-me pela interrupção e solicitei que continuasse.

No momento seguinte ele escreveu esta resposta:

Vá ao alto do edifico, incline-se numa ponta do telhado e solte o barômetro, medindo o tempo t de queda desde a largada até o toque com o solo. Depois, empregando a fórmula h = (1/2)gt2 e calcule a altura do edifício.’

Perguntei então ao meu colega se ele estava satisfeito com a nova resposta, e se concordava com a minha disposição em conferir praticamente a nota máxima à prova. Concordou, embora sentisse nele uma expressão de descontentamento, talvez inconformismo.

Ao sair da sala lembrei-me que o estudante havia dito ter outras respostas para o problema. Embora já sem tempo, não resisti à curiosidade e perguntei-lhe quais eram essas respostas.

Ah!, sim,” – disse ele – “há muitas maneiras de se achar a altura de um edifício com a ajuda de um barômetro.”

Perante a minha curiosidade e a já perplexidade de meu colega, o estudante desfilou as seguintes explicações.

Por exemplo, num belo dia de sol pode-se medir a altura do barômetro e o comprimento de sua sombra projetada no solo, bem como a do edifício. Depois, usando uma simples regra de três, determina-se a altura do edifício.”

Outro método básico de medida, aliás bastante simples e direto, é subir as escadas do edifício fazendo marcas na parede, espaçadas da altura do barômetro. Contando o número de marcas ter-se a altura do edifício em unidades barométricas.

Um método mais complexo seria amarrar o barômetro na ponta de uma corda e balançá-lo como um pêndulo, o que permite a determinação da aceleração da gravidade (g). Repetindo a operação ao nível da rua e no topo do edifício, tem-se dois g’s, e a altura do edifício pode, a princípio, ser calculada com base nessa diferença.

Finalmente“, concluiu, “se não for cobrada uma solução física para o problema, existem outras respostas. Por exemplo, pode-se ir até o edifício e bater à porta do síndico. Quando ele aparecer; diz-se: ‘Caro Sr. síndico, trago aqui um ótimo barômetro; se o Sr. me disser a altura deste edifício, eu lhe darei o barômetro de presente.'”

A esta altura, perguntei ao estudante se ele não sabia qual era a resposta ‘esperada‘ para o problema. Ele admitiu que sabia, mas estava tão farto com as tentativas dos professores de controlar o seu raciocínio e cobrar respostas prontas com base em informações mecanicamente arroladas, que ele resolveu contestar aquilo que considerava, principalmente, uma farsa.


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