Por um mundo novo na Universidade e Pesquisa

postado em: Avaliação, Comportamento, Ensino | 0

Tenho percebido um mal-estar e problemas em nossas Universidades e nas atividades de pesquisa, um desalinhamento com as expectativas de mercado e com objetivos de vida de muitos estudantes. Como professor e pesquisador na Universidade há décadas isso me preocupa e me faz desenvolver análises e propor soluções. Espero que a comunidade de computação e de educação em computação aprofunde muito estas ideias.

Vou citar alguns dos textos em que trato deste assunto e, eventualmente, sugiro alternativas:


  1. Individualismo, Criatividade, Cooperação e Avaliação – jun. 2016 – onde trato dos problemas causados pelo uso quase exclusivo do QUALIS como avaliador de qualidade.
  2. O QUALIS não deve ser usado para a avaliação de pesquisadores: a solução – jul. 2017 – onde analisei a forma legal de evitar o problema, apenas para verificar que as Universidades não a querem aplicar.
  3. Os modelos de Universidades – out. 2020 – onde analiso as diferentes formas de ensino e estilos de universidades e mostro que a competência de pesquisa de um lado e a capacidade de formação profissional empresarial são duas dimensões diferentes e deveria haver clara distinção entre modelos de universidades.

A seguir procurei estudar alternativas para a superação dos problemas:

  1. Repensando o ensino de computação – abr. 2022 – onde apresentamos no Laboratório de Ideias do EDUCOMP (4 autores) uma proposta de certificados intermediários para capacitação profissional.
  2. A alternância no ensino superior francês – abr.2023 – onde tento mostrar uma alternativa para a formação técnica.
  3. Fundos não competitivos para pesquisa – ago. 2023 – onde apresento uma alternativa para estimular a pesquisa sem esquecer a qualidade, mas minimizando o estresse da super competitividade.

Recentemente um livro: A Tirania do Mérito: O que aconteceu com o bem-comum? do filósofo Michael J. Sandel me alertou para outro, e mais sério problema. O livro explora criticamente a ideia de meritocracia e como ela influencia a sociedade contemporânea, incluindo os aspectos negativos que emergem dessa abordagem. Tenho escutado muitas críticas às bolsas PQ do CNPq, também aos editais de projetos de pesquisa como excludentes e negativos. Tenho a convicção que ambos são um estímulo à pesquisa e uma avaliação de qualidade. O mesmo se passa com o QUALIS, um bom indicador, mas com uso inadequado. Mas o que está errado? Sandel me deu a resposta: a arrogância associada a estes processos.

O livro de Sandel argumenta que a meritocracia, embora tenha suas virtudes, pode levar a um conjunto de problemas, incluindo a arrogância entre os indivíduos bem-sucedidos. Isso acontece porque a busca incessante pelo mérito individual muitas vezes leva as pessoas a acreditarem que seu sucesso é inteiramente devido às suas próprias habilidades e esforços, o que pode gerar uma atitude de superioridade em relação aos menos bem-sucedidos. Isso pode corroer a empatia, a solidariedade e o senso de responsabilidade comum em uma sociedade.

No contexto acadêmico, a relação com bolsas de produtividade, editais de pesquisa e sistemas de avaliação de qualidade também pode levar a dinâmicas semelhantes. Quando os processos de seleção e avaliação são percebidos como exclusivamente baseados no mérito individual, pode ocorrer uma tendência à arrogância entre aqueles que são reconhecidos ou financiados. Essa atitude pode levar a uma falta de valorização das contribuições de outros pesquisadores, além de potencialmente criar uma cultura em que a busca pelo próprio sucesso se sobrepõe à colaboração e ao bem comum.

Isso não significa que os processos de avaliação, seleção e reconhecimento não sejam importantes ou valiosos. De fato, eles desempenham um papel crucial na promoção da pesquisa de qualidade e no incentivo ao avanço acadêmico. No entanto, a reflexão está em como equilibrar esses processos para evitar a criação de uma cultura de arrogância, onde a busca pelo mérito individual se torna prejudicial ao espírito colaborativo e à busca pelo bem comum.

Uma abordagem equilibrada pode envolver o reconhecimento de que o mérito individual não é a única medida de valor em uma comunidade acadêmica. A valorização da diversidade de contribuições, a promoção de ambientes colaborativos e a conscientização sobre os efeitos potenciais da arrogância podem ser passos importantes para criar um ambiente mais saudável e inclusivo no campo da pesquisa e da academia em geral.

A proposta de Fundos não Competitivos foi uma primeira análise e sugestão de como minimizar este problema, já foi resultado da leitura do Sandel. Vou continuar nesta análise, espero que a comunidade compreenda que precisamos tratar a fundo do problema. O CBIE 2023 será uma boa oportunidade para debatermos o tema. Destruir o que temos de bom no suporte à pesquisa não é o caminho, precisamos corrigir os erros e sermos menos individualistas e mais humanos e cooperativos.