O mito dos nativos digitais

Atualizado há 4 anos


Há muito tempo eu esperava a chegada na Universidade de alunos que tivessem crescido em um ambiente onde a computação fosse um elemento diário e não uma nova tecnologia. Isto finalmente aconteceu! Os alunos atuais nasceram quando o computador já era um eletrodoméstico e passaram toda a sua vida de estudo utilizando computadores. Estava na hora de verificar as novas competências que, certamente, tinham sido adquiridas neste ambiente intelectualmente estimulante. Mas o que chegou foi a decepção: a maior parte dos alunos estava utilizando toda esta tecnologia de busca de informação da forma mais naïf possível: copy and paste! É claro que qualquer generalização é perigosa, mas esta é a impressão geral que sinto. Conversando com colegas chega-se a mesma conclusão: falta capacidade para filtrar toda a informação disponível e, principalmente, falta o hábito e a competência para criar interpretações pessoais a partir do material encontrado.

Em férias passadas estava lendo um caderno de classificados de computação quando, de forma completamente imprevista devido aos objetivos daquele caderno, encontrei este pequeno editorial:

Editorial do Caderno de Classificados de Informática do Jornal Zero Hora, Porto Alegre, 10 de Fevereiro de 2008, página 1.

Pesquisadores britânicos afirmam que a suposta habilidade dos jovens para lidar facilmente com novas tecnologias não se confirma

Os jovens conseguem utilizar novas tecnologias com facilidade e adquirir conhecimento apenas com o uso da internet, certo? Pois um estudo encomendado pela Biblioteca Britânica diz o contrário. A pesquisa, realizada pela University College of London, afirma que a Geração Google – como são chamados os adolescentes nascidos a partir de 1993, depois da popularização do computador – tem sua capacidade supervalorizada.

Conforme o levantamento, feito com o objetivo de esclarecer como o avanço tecnológico afetará as bibliotecas, os garotos de hoje não são necessariamente eficientes em fazer pesquisas pela internet.

Também não permanecem mais tempo online do que as pessoas mais velhas e não destoam do resto da sociedade em priorizar informação rápida e digerida. “Na verdade, já somos a Geração Google: a demografia da internet e do consumo de mídia está erodindo supostas diferenças de gerações”, diz o relatório da pesquisa.

O trabalho ressalta ainda que a “alfabetização digital” e a “alfabetização informativa” não caminham conjuntamente, o que se reflete na incapacidade demonstrada por muitos jovens para filtrar o imenso arsenal de dados disponíveis na web. Outro mito que não se confirma, dizem os pesquisadores, é o de que os garotos são mais propensos do que seus pais a buscar informações rápidas e “mastigadas”. A preferência por textos resumidos e buscas por palavras-chave é uma norma geral. “A sociedade (como um todo) está se emburrecendo“, diagnostica o estudo.

Uma característica que muitos já suspeitavam também foi confirmada: a dita Geração Google é uma forte adepta da prática de “copiar e colar” informações para seus trabalhos escolares, e prefere plataformas interativas de informação ao consumo passivo dos dados. Para tirar suas conclusões, os cientistas utilizaram estudos feitos com jovens nas décadas de 80 e 90 e os compararam com a forma como os adolescentes de hoje pesquisam na Biblioteca Britânica e nos sites educacionais do governo inglês.

O que o estudo não conseguiu responder é se os jovens são mesmo mais capazes do que seus pais de realizar diversas tarefas ao mesmo tempo. “A questão mais ampla é saber se as habilidades seqüenciais, necessárias à leitura, também estão sendo desenvolvidas”, observam os pesquisadores.

A ênfase na conclusão apresentada acima é minha e o problema é muito sério mesmo. Há bastante tempo escrevi sobre o plágio acadêmico pois estava começando a ficar preocupado com esta tendência de copiar e não de criar. Este péssimo hábito está esterilizando a criatividade. Precisamos absolutamente da revisão dos conhecimentos passados para poder construir mais alto! Uma frase, atribuída a Isaac Newton, condensa esta posição: “In the sciences, we are now uniquely privileged to sit side by side with the giants on whose shoulders we stand.” Aliás uma parte desta frase foi tomada como mote pelo Scholar Googlepara balizar o uso correto deste serviço.

O que aconteceu? A citação acima dá o caminho: a “alfabetização digital” e a “alfabetização informativa” não caminham conjuntamente. As pessoas passaram a utilizar a Web de forma natural pois foram “alfabetizadas digitalmente” mas não sabem utilizar a informação obtida. O conjunto de dados disponíveis na Web representa um acervo gigantesco. O grande desafio é acessar, recuperar e organizar estes dados de forma a transformá-los em informação relevante.

A palavra Dados vem do latim datum isto é algo oferecido, dado. Esta é a significação de dados: algo que está disponível que foi oferecido. Em informática consideramos dados como valores que podem ser números, cadeias de caracteres ou imagens sem interpretação. Isto quer dizer que um valor não possui uma significação em si mesmo, por exemplo: 220 podem ser volts ou quilômetros por hora. Este é o primeiro nível na representação do mundo real. Informação é o próximo nível, a informação consiste no significado associado aos dados, no exemplo anterior 220 volts é uma informação associando um valor (dado) a uma grandeza que tem significado físico. Neste caso 220 é interpretado como uma grandeza elétrica, a voltagem. Finalmente no último nível, o Conhecimento, existe a compreensão do significado da informação com a possibilidade de utilizar este conhecimento para algum uso específico. No nosso exemplo o conhecimento associado a 220 volts poderia ser que esta tensão elétrica é perigosa para o ser humano e que devem ser utilizadas ferramentas isoladas para manipular fios submetidos a esta tensão. Para que consigamos entender o significado das informações é necessária a estruturação do conhecimento e a construção de um modelo, uma espécie de mapa, relacionando os diferentes conceitos recuperados. Esta é a parte que está faltando a “alfabetização informativa ou de conhecimento”.

O que ocorre parece ser uma tendência para a obtenção de material simples e de fácil aplicação. Para que estudar mais se o simples me garante a subsistência?  Para que conhecer os fundamentos se me pagam pelo conhecimento e competência no uso de ferramentas de software? Para que um curso mais longo se três anos bastam para minha colocação no mercado? Estas são as perguntas correntes. Comprovei isto assistindo uma recente entrevista, longa – no padrão francês de uma hora, na TV5 de um líder estudantil de uma grande confederação de estudantes sobre os quarenta anos de Maio de 68. Seu comentário que mais me causou impacto foi: “Os estudantes de 68 queriam mudar o mundo nós só queremos nosso espaço no mercado (de trabalho)”! O problema é que esta posição levada ao limite nos conduz à mediocridade, apenas uma vida mais ou menos estável, nenhum desafio maior, nada a desbravar… 

Uma destas conseqüências do utilitarismo do ensino é a visão de Bolonha sobre os cursos universitários; se por um lado há o fator positivo do intercâmbio e da mobilidade há o lado negativo da redução do tempo dos cursos. A visão dos colegas envolvidos neste processo é que o objetivo é criar um modelo de cursos curtos, para inserção rápida no mercado de trabalho, associado a um modelo de long life learning, ou seja o retorno ao estudo para atualização. Eu estou pensando que seria melhor chamar este modelo de long life training – o treinamento de mecânicos para as novas tecnologias. Quem vai desenvolver estas novas tecnologias? A Universidade Européia, que era conhecida por suas qualidades de abstração e de criação conceitual e filosófica no modelo de Universidade Humboldtiana, pode estar se transformando em uma escola técnica superior.  

O mesmo se passa com nossos estudantes, se tudo está disponível na Web porque desenvolver? É mais fácil copiar. Para que estudar algoritmos se encontramos libraries para tudo com dois toques de teclado?  Este texto, republicado no JC e-mail 3503, de 02 de Maio de 2008, é uma leitura essencial.

Nora Bär (ciencia@lanacion.com.ar) é editora de Ciência e Saúde do jornal argentino “La Nacion”, onde publicou este artigo: En los siglos XVI y XVII, Galileo fue astrónomo, filósofo, matemático y físico. En esas épocas, una sola persona — claro que no cualquiera: ¡Galileo, nada menos! — podía abarcar el conjunto de los conocimientos de su tiempo.

En el mundo globalizado de hoy, la ciencia dejó de ser una empresa individual para convertirse en un aparato gigantesco cuyos engranajes exceden lo puramente académico y cuyos hallazgos impulsan no sólo el avance del conocimiento, sino también la competitividad de los países.

A los científicos actuales ya no les basta, como se cuenta que hizo Galileo, con asomarse a la Torre de Pisa, lanzar dos piedras y observar cómo caen. Para alimentar la moderna maquinaria de experimentación, capaz de bucear en el submundo de la materia y de desmontar las piezas de la vida, se necesitan equipos monumentales y cuantiosas inversiones que no suelen estar al alcance de los países en desarrollo.

¿Entonces qué chance les queda a los jóvenes David frente a los superpoderosos Goliat que dominan el escenario científico global?

En el discurso de apertura de la última reunión de la Asociación Americana para el Avance de la Ciencia, su ex presidente, David Baltimore, formuló algunas ideas que vale la pena tener en cuenta.

Baltimore ganó el Premio Nobel de Fisiología o Medicina en 1975 (junto con Renato Dulbecco y Howard Temin) por el descubrimiento de la enzima que en los virus oncogénicos “traduce” el ARN en ADN. Pero además de ser un científico brillante, fue un administrador exitoso que presidió la Universidad Rockefeller y el Instituto Tecnológico de California, y asesoró a los gobiernos de la India y Ruanda en temas científicos.

Contrariamente a lo que podría suponerse, para él la fuerza de un país en materia científica no depende tanto de los equipos e instalaciones como de la calidad de los investigadores. Entre otras cosas, aconseja mantener un alto nivel de excelencia en la selección de recursos humanos, impulsar el desarrollo de instituciones pequeñas, no separar la enseñanza de la investigación y preservar la libertad académica de los científicos. Por otra parte, insiste en que -aun para los países en desarrollo- la ciencia básica (que no tiene un fin definido) es insoslayable.

“Incluso si uno tiene la intención de que sus graduados trabajen en las cosas más prácticas, el entrenamiento que reciben en la ciencia básica es el mejor que se les puede ofrecer”, afirma durante una entrevista publicada por SciDev.net.

Desarrollar ciencia de primer nivel es difícil — dice Baltimore –. Sólo se llega a la excelencia después de un proceso largo y trabajoso. Si uno [se limita a comprar] una máquina, produce ciencia estándar. En investigación, son las personas las que hacen la diferencia, haciendo cosas nuevas y formulando nuevas preguntas. La calidad de la gente es la que determina lo que se produce. De modo que uno puede tener máquinas maravillosas, pero a menos que tenga gente extraordinaria, no podrá producir ciencia extraordinaria.

En un mundo dominado por el dinero, es reconfortante pensar que Baltimore puede tener razón… (La Nacion, Buenos Aires, 30/4)

Para finalizar uma citação de Albert Einstein:

Quero opor-me à idéia de que a escola tem de ensinar diretamente o tipo especial de conhecimento e as técnicas que uma pessoa tenha que utilizar mais tarde diretamente na vida. As exigências da vida são demasiadamente múltiplas para permitir que uma preparação tão especializada seja possível como uma ferramenta morta. A escola deveria sempre ter como alvo que o jovem saísse dela como uma personalidade harmoniosa, não como um especialista”.

Acho que temos bastante material para meditar.

(Acessos 309)