Quando eu estudava no secundário, o serviço de propaganda dos USA distribuía revistas de quadrinhos, de péssima qualidade gráfica e em preto e branco, mostrando como um operário nos Estados Unidos ganhava mais do que um operário dos oponentes: a União Soviética e os países do Leste. Comparavam, também, com os ganhos de países que seguiam o mau caminho do socialismo como os do norte europeu… Infelizmente não guardei nenhuma para digitalizar e ilustrar esta crônica, se alguém ainda tiver uma gostaria muito de ter uma cópia. Os desenhos eram primários, entre os que me lembro um era a fila de sapatos que um trabalhador nos USA podia comprar com um mês de salário comparado com um par de sapatos comprado com a receita de algum período mais longo de trabalho por um dos trabalhadores de países que não adotavam o consumismo norte-americano. Haviam outras comparações e a promessa de que se todos se comportassem bem teriam o paraíso terrestre do consumo, the american way of life. O outro lado prometia outro paraíso terrestre, o da justiça social com a igualdade para todos. Os países socialistas do norte da Europa nada diziam, só se preocupavam em ser sérios e cuidar do real respeito pelos direitos humanos e da segurança social.
Hoje conheço pessoalmente estas alternativas e consegui viver o suficiente para ver os resultados dos três caminhos. A ditadura desmoronou, os países nórdicos passaram de países pobres no início do século XX para os melhores lugares para se viver. Mas será que aquela antiga propaganda dos USA era verdadeira? O paraíso terrestre não está no consumo? No Dia das Mães em vez de carinho e apoio os filhos não demonstram sua felicidade com compras? Nos casamentos não está na moda de os noivos pedirem dinheiro em vez de amizade e algum presente escolhido ou feito com amizade? Não temos o código de Defesa Consumidor para defender o cidadão, ooops, o consumidor? Vocês já se perguntaram o motivo deste código não ser chamado de Código de Defesa da Qualidade ou Defesa dos Direitos Comerciais? Nada disto é do Consumidor, parece que consumir é a virtude última. Aliás era isto que aquelas antigas histórias em quadrinhos pregavam, todos entrarão no paraíso terrestre das compras. A promessa oferecida não era de qualidade de vida, de liberdade de opinião, de saúde, era de poder comprar bastante produtos! É claro que dando enormes ganhos para as Enrons da vida…
Vamos ver o que aconteceria se esta verdade (?) fosse cumprida, se todos os humanos entrassem no paraíso terrestre de serem consumidores compulsivos. O resultado já está a vista, o aquecimento global, a destruição da natureza do atual temporal (quase) perfeito que está desabando sobre a Inglaterra e os Países Baixos e , se continuarem a desperdiçar recursos com o consumismo, na destruição da Humanidade tal como a conhecemos.
Agora estou lendo o Jornal Sunday Star Times de Auckland, (Nov. 4, 2007, p. A16) o tema de um dos artigos da capa é: “World close to food crisis” ou “O mundo perto de uma crise de alimentos“. Alguns dados do artigo: preços recordes dos alimentos levou a uma inflação de 18% nos alimentos na China, 13% na Indonésia e Paquistão e 10% em países da América Latina segundo a FAO. O trigo duplicou de preço, o milho subiu 50% e o arroz está 20% mais caro do que há um ano. Esta semana a FAO espera anunciar a menor reserva de alimentos nos últimos 25 anos! “Se você combina o aumento do preço do petróleo com o aumento do preço dos alimentos então se terá os elementos para uma crise social muito séria no futuro” disse Jacques Diouf, chefe da FAO, na semana passada em Londres. O aumento dos preços é uma conseqüência da troca, pelos fazendeiros norte-americanos da cultura de alimentos pela de produção de bicombustível. Claro, como as pessoas poderão ser felizes sem a sua caminhonete 4×4 que faz 4 quilômetros por litro? Seriam expulsas do paraíso terrestre do consumo. Lester Brown, presidente do Worldwatche Institute diz: “A competição por grãos entre os 800 milhões de motoristas e os 2 bilhões de pessoas mais pobres, que estão tentando apenas sobreviver é um tópico épico”. No ano passado os USA produziram 14 milhões de toneladas de milho para a produção de álcool (o rendimento energético do milho é de apenas 1,4 vezes enquanto que o da cana de açúcar é de cerca de 7 vezes). Segundo Jossette Scheeran, diretora do WFP, há cerca de 854 milhões de famintos no mundo (se lembram do início de uma canção política?) e 4 milhões se somam a este número cada ano! Viva o consumo!
Outro jornal daqui, o New Zealand Herald tem um artigo, na categoria aquecimento global, com o seguinte título”Colossal waste of food stokes fears for planet” (Nov. 2007). Uma informação importante: o UK põe fora 6,7 milhões de toneladas de alimentos ou seja £8.000.000.000,00 por ano! Viva o consumo! O Waste & Resources Action Programme – WRAP, uma agência governamental que tem investigado o desperdício de alimentos reclama dos consumidores que, literalmente, colocam no lixo um saco da cada três comprados no supermercado. Viva o consumo!
Algumas regras para sua economia:
- Faça uma lista das compras. Muito alimento é posto fora porque as pessoas compram demais por falta de planejamento.
- Não seja tentado pelas ofertas “compre um e leve dois”, compre somente o que necessita.
- Controle a temperatura de seu refrigerador para não ter alimentos estragados.
- Leve sacolas de lona para as suas compras no supermercado e não aceite sacos de plástico, exija sacos de papel.
- Não compre produtos descartáveis, tente encontrar aqueles que podem sofrer manutenção.
- Compre produtos com uma longa vida (melhor consumir antes de) pela frente.
- Aprenda a cozinhar as sobras, muitos alimentos que sobram podem ser convertidos em saborosos alimentos.
Vamos, agora, discutir um pouco as conseqüências do mundo todo adotar os hábitos de consumo dos USA. Aliás, vocês sabem que as duas únicas construções visíveis do espaço – diz a lenda – são a Muralha da China e o Depósito de lixo de Nova Iorque? O american way of life precisa do consumo desvairado, vejam só qual seria a conseqüência se todo o mundo consumisse assim , os valores foram calculados com base na população dos USA e da população do mundo. Estes valores são aproximados e calculados com dados obtidos em consultas rápida na Web, mas dão uma boa idéia do problema.
Produto | Consumo per capita nos USA (303,3 mi) | Consumo atual no mundo | Consumo no mundo com os índices dos USA (6.453 mi) |
Carvão | 3,3 tons por ano (2006) | 400 milhões de tons por ano | 21.380 milhões de tons por ano |
Aço | 382 quilos por ano (2005) | 1.240 milhões de toneladas por ano (2005) | 2.465 milhões de toneladas por ano |
Petróleo | 0,66 milhões de barris por dia (2005) | 75,9 milhões de barris por dia (2005) | 425,4 milhões de barris por dia |
Eletricidade | 12.600 kwh por ano (2005) | 15.746,54 bilhões de kwh por ano (2005) | 81.182,1 bilhões de kwh por ano |
Pela análise da tabela acima é evidente que a promessa do “paraíso terrestre do consumo” é uma promessa mentirosa. O planeta simplesmente não suporta este nível de consumo. Li em algum lugar que uma mulher ocidental compra cerca de 110 bolsas durante sua vida, isto é uma necessidade? Outros compram 30 automóveis. Pessoas querem rodar com 4×4 na cidade. Chega de mentira, o consumismo não nos dará a felicidade mas sim a crise. Precisamos apreender a desenvolver equipamentos passíveis de manutenção e de upgrades, está na hora de levarmos sacolas de lona para os supermercados e não aceitar mais receber sacolas de plástico. Precisamos ter carros que durem 30 anos e não quatro anos. Precisamos utilizar melhor o 1/3 dos alimentos postos fora e assim por diante. Isto não é radicalismo ecológico, é simplesmente uma tentativa de assegurar a nossa sobrevivência como espécie.
A realização pessoal pode ser atingida se acreditarmos que ser é muito mais importante do que ter. Infelizmente aquelas antigas fábulas, contadas para as crianças, como a da busca da camisa do Homem Feliz foram substituídas por comerciais que mentem para as crianças que a busca da felicidade é comprar a última bugiganga mecânica que será deixada de lado em poucos dias ou horas. Acho que, para os que só acreditam frases em inglês, deveríamos trocar a: “american way of life” para esta outra frase: “back to basic”. Voltemos a valorizar as coisas fundamentais da vida ou a hipótese Gaia vai nos levar de volta ao básico da forma mais penosa, reiniciando a construção da Civilização. Para saber como você pode ajudar a salvar o planeta leia: E o Oscar vai para: “Uma Verdade Inconveniente” ou Computadores, responsabilidade social e aquecimento global.
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