Pós-graduação em computação e a indústria

Leitura recomendada:um texto sobre a primeira fase do Projeto ProTeM-CC do CNPq, apresentado em 1996 no SECOMU, para uma comparação entre o que se pensava na época e a situação atual.

Para que formar doutores? Parece que a primeira resposta seria que no Brasil serve para que estes doutores formem novos doutores! E os mestres? Estes não podem se reproduzir academicamente, pois para participar como professor orientador de um programa de pós-graduação é preciso ser doutor. Certamente os mestres podem ser ótimos professores de graduação, e é o que a maioria deles está fazendo. Mas estes pós-graduados não deveriam estar trabalhando na indústria? Estão realmente lá? Alguns dados para justificar a minha opinião expressa no parágrafo acima:

“Pesquisa mostra que apenas 1% dos profissionais com mestrado e doutorado trabalham em fábricas no Brasil” Jornal da Ciência

“Entre 1987 e 2003, o número de brasileiros que recebeu o título de mestre e doutor a cada ano cresceu respectivamente 757% e 932%; em 2.000 formaram-se 18.000 mestres e 5.000 doutores brasileiros. Mas o mesmo não se pode dizer sobre sua produção tecnológica. Apenas 4% das empresas industriais brasileiras lançaram um produto novo para o mercado nacional”, ADB

Na entrevista com Jorge Gerdau Johanpeter, presidente do Grupo Gerdau e presidente do Conselho Superior do PGQP publicada no encarte Qualidade RS 2006 da Zero Hora, Porto Alegre, página 12 encontramos esta pergunta e resposta:.

Pergunta – “No Brasil seria baixo o envolvimento das empresas na busca da inovação. As universidades podem cumprir um papel nesse sentido e estariam preparadas para isto?”

Resposta – “Apenas 11% dos 80 mil pesquisadores estão ligados a empresas privadas que mantêm atividades de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D). O motivo em primeiro lugar, é que o retorno dessa atividade vem a médio e longo prazo e a instabilidade da economia brasileira desestimula os investimentos na área. Uma pesquisa sobre inovação liderada pela Fundação Dom Cabral mostra que, enquanto em 2004 o setor privado brasileiro investiu 14 dólares per capita em P&D, na Coréia do Sul esse valor foi de 254 dólares. A fundação também verificou que, em 2005, 85% das empresas brasileiras se mostravam preocupadas com o tema da inovação, mas apenas 15% delas faziam alguma coisa nessa direção. Apesar das empresas ainda terem um caminho longo a percorrer nessa área, o trabalho desenvolvido pelas universidades tem sido fundamental, pois está focado em grandes descobertas, analisadas a médio e longo prazo, mostrando tendências e inovações de grande importância. A principal diferença entre o investimento em pesquisa nas universidades é que ele é focado em ações de maior escala do que as empresas, que, em geral, investem em pesquisa voltada ao seu negócio, para resultados de curto e médio prazo. “

A resposta parece óbvia, sem competição industrial continuaremos neste ciclo fechado de formar pós-graduados para formarem pós-graduados. E o que está acontecendo com o número de egressos dos cursos? A seguir apresento alguns dados mostrados no fórum dos coordenadores de PG, em julho no Congresso da SBC em Campo Grande, pelo coordenador do fórum. As conclusões são de minha exclusiva responsabilidade. No primeiro gráfico, a seguir, são apresentados os números relativos ao ingresso de alunos nos programas de pós-graduação em computação, notem a violenta queda no último ano.

 

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Na crônica anterior, sobre “A crise no ensino da computação“, comentei que está ocorrendo uma “caça aos doutores”, ao inverso, pois muitas Universidades e Centros Universitários estão despedindo o pessoal com maior titulação para contratar “mão de obra” mais barata. Isto é uma decisão forçada por um público que não consegue pagar cursos de melhor qualidade, e a opção tomada foi reduzir custos ou fechar os cursos de baixa demanda. Em algumas áreas de conhecimento cursos inteiros foram fechados e muitos cursos de computação também acabaram. O resultado está chegando à pós-graduação: há menos alunos entrando nos programas de doutorado. No futuro pagaremos o preço, pois não teremos o número necessário de doutores para apoiar um novo estágio de desenvolvimento competitivo das indústrias.

 

Acredito que a opinião sobre a o número de candidatos na entrada no doutorado seja correta, a falta de opções para os futuros egressos está tirando o estímulo para um esforço pesado de quatro anos. A análise dos novos ingressantes no mestrado, mostrada no gráfico a seguir, em minha opinião apóia esta análise. Tem havido estabilização e, após, uma redução pequena mas sensível nos últimos quatro anos. Aparentemente para um aperfeiçoamento de dois anos após a graduação ainda estimula os alunos. Em uma análise da Folha de São Paulo, caderno Dinheiro de 15 de Janeiro de 2006 na página B1, há um estudo do mercado de trabalho mostrando que o título mestrado duplica a renda do trabalhador, isto é uma conseqüência da valorização do mestrado ou da fraqueza da graduação? Mas isto não será, também, uma conseqüência de os alunos estrem procurando complementar a formação insuficiente obtida na graduação? Esta hipótese é apoiada pelos resultados do ENADE deste ano, que mostram que apenas 19 dos cursos de Ciência da Computação conseguiram a nota máxima (5) entre os 685 registrados no site do MEC? Para responder a esta questão seria necessária uma pesquisa ampla entre os novos alunos.

 

 

Finalmente gostaria de analisar a qualidade dos candidatos à pós-graduação. Nesta área vou fazer apenas suposições mais abertas. Olhando o gráfico a seguir, nota-se que houve uma queda muito significativa no número de candidatos aos mestrados em computação desde a implantação do Exame Nacional da Pós-graduação em Computação – POSCOMP. Parece que o limite de possíveis candidatos está esgotado. A simples inclusão de um teste de avaliação dos conhecimentos da graduação parece estar desestimulando fortemente a candidatura de novos alunos ao mestrado. Inclusive estou com esta impressão em relação à Universidade como um todo. Pelo número de candidatos por vaga em queda livre, apesar deste dado hoje ser de difícil obtenção, há uma impressão de que todos os candidatos com condições mínimas – ou com menos do que isto – já estão entrando na Universidade.

 

 

Agora resta uma conclusão final: é absolutamente necessária uma ação global na Educação. Temos um grande estímulo para novos talentos em jogadores de futebol, quase todos os times campeões da Europa têm núcleos constituidos por jogadores brasileiros. Precisamos fazer o mesmo com a Matemática, com a Física no fundamental e no secundário. Sem uma ação poderosa e de longa duração não formaremos mais competências. A pergunta para demonstrar esta afirmativa é: “Quantos prêmios Nobel tem o Brasil?”, acho que não preciso responder. Por outro lado, quando a Alemanha adotou nos 18`s o modelo de Universidade Humboldtiana obteve, no início do século XX, uma das maiores concentrações de Prêmios Nobel. Mas isto é assunto para uma próxima crônica. É preciso agir agora e fortemente para tentarmos salvar as próximas gerações da mediocridade da transferência do conhecimento. Isto é uma conseqüência de nosso passado colonial, o culto ou douto era aquele que sabia tudo o que os cérebros pensantes da Europa havia pensado e escrito. Nas colônias não se pensava apenas se repetia magistralmente as conquistas dos Paises Centrais. Uma das frases de Nietzsche, no livro Ecce Homo, que gosto é esta:

O douto emprega a sua força em dizer sim ou não, em criticar o que já foi pensado por outros; quanto a ele, todavia, não pensa mais, ele é um decadente.”

Certamente é uma idéia forte, como em geral são as idéias de Nietzsche. Mas é muito adequada, não adianta apenas apreendermos o que os outros fizeram e passarmos a vida a citá-los, precisamos criar com produção autônoma e com empresas capazes de competir internacionalmente, Temos um belíssimo exemplo brasileiro no caso da Embraer onde um excelente centro de ensino e pesquisa foi utilizado para embasar uma indústria, isto dentro de uma visão estratégica de País. Do ponto de vista do ensino é preciso um modelo completo com cursos técnicos secundários, cursos tecnológicos superiores, universidades tecnológicas e universidades humboldtianas. Neste modelo de ensino o processo de avaliação deveria ser diferente para cada tipo de curso e com a informação clara do tipo de curso em que o aluno está se matriculando. Alguns cursos são orientados para a continuação da formação em pós-graduação, outros para a entrada no mercado com uma posterior alternativa de pós-graduação tecnológica e, finalmente, outros são cursos terminais sem a base formal necessária para uma pós -graduação. Os candidatos precisam escolher conscientemente qual caminho podem e querem seguir.

Precisamos construir um modelo de ensino que nos leve para um futuro competitivo no cenário mundial. Quem sabe se algum dia teremos o prêmio Nobel para comemorar.

(Acessos 314)